sexta-feira, maio 01, 2009

Galo de Rinha












Ednodio Quintero (Venezuelano)

Meu tio tinha um jovem galo de rinha que se alimentava de lacraias vivas. Num Domingo de Ramos, o galo amanheceu cantando, batendo as asas, eufórico, alvoroçado, como se festejasse algum sonho agradável. Meu tio ficou contagiado pela alegria do galo. Examinou-lhe as patas – que lhe transmitiram uma onda de calor – e, olhando para o céu sem nuvens, decidiu que o dia era propício para por à prova a capacidade guerreira daquele soberbo animal de asas negras, peito tigrado e esporas de marfim.

No galpão turbulento, a figura do jovem galo impressionou os apostadores, que se movimentavam inquietos em seus bancos de madeira enquanto meu tio aguardava, desafiante, no centro da arena. Da primeira fila se levantou um velho de suíças compridas, olhos esbraseados, chapéu inclinado, que segurava entre as mãos um belo galo que parecia uma águia. Com voz rouca, estrondeante, dirigiu-se ao meu tio: “Meu veterano contra seu jovem, dom Marcos, sem examinar bem e sem igualar as esporas”.

O combate foi breve e durou para sempre na memória dos espectadores, pois nos primeiros movimentos das asas do galo jovem começaram a brotar lacraias que num instante devoraram o veterano. Na confusão que antecedeu a debandada, brilharam punhais, garrotes e algum revólver de cano enegrecido. Escutou-se o ruído seco de um disparo, e meu tio desmoronou, ao comprido e pesado, como um cedro das montanhas. Gritos, arquejos, maldições. Depois o silêncio. E do bico e das asas e da cauda reluzente do jovem galo continuaram brotando lacraias, que comiam os portões e as vigas, as árvores da praça, a ponte pênsil, as estátuas.

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