sexta-feira, dezembro 23, 2005

Tempo de progredir !


"... nossa tarefa máxima deveria ser o combate a todas as formas de pensamento reacionário." (Antônio Cândido)

Carlos Henrique de Pontes Vieira


No Brasil, os capitalistas "donos do poder" não promoveram o sistema que, em tese, deveria lhes interessar, ou porque não souberam ou não puderam ou não quiseram -foi preciso um presidente operário para fazê-lo - e, qualquer que seja o motivo, foi bom que tenham saído por comprovada incompetência ou impotência ou perversidade.

Suspeito que tenha sido porque não quiseram, portanto, por perversidade. A economia real, a que produz, emprega e pode nos fazer fortes e independentes como nação, não lhes interessava e estavam voltados para outra esfera de interesses, qual seja, a economia virtual, a financeira, do dólar, do euro, dos capitais voláteis que nada produzem e nos oprimem a todos com a sua concentração de renda que promove a fratura, a violência, a ansiedade, a angustia e o medo entre nós.

O inciso IV do art. 1º da nossa Constituição determina que a República Federativa do Brasil tem como fundamento os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, donde concluímos da inconstitucionalidade de uma economia que não tenha por base esses dois parâmetros.

"Por la razon o por la fuerza" é o aforismo inscrito no pórtico do Palácio do governo chileno e que poderia servir para propor a saída dos usurpadores e obscuros "donos do poder", na expressão de Raymundo Faoro, eminências pardas que decidem através de uma complexa e poderosa rede de intricados interesses contrários aos de quem tem o poder formal e, pior ainda, ao do autêntico dono do poder que, constitucionalmente, é o povo, cujas necessidades dependem da economia real e, em seu seio, há mentes preparadas para conduzi-la com competência e seriedade a um patamar muito mais elevado de qualidade de vida para todos.

Países menores do que o nosso, com muito menos recursos naturais e mais problemas políticos, geográficos e climáticos resolveram com eficiência algumas questões que são endêmicas entre nós. Um dos resultados mais notórios da gestão do atual rei do diminuto Butan, na cordilheira do Himalaia, a 4.500 metros de altura entre a China e a Índia, foi o aumento de 19 anos na expectativa de vida entre 1984 e 1998, segundo afirma Andrew Revkin, repórter do New York Times.

O cenário da economia mundial até meados de 2008 foi favorável para o crescimento econômico do mundo. Que os próximos anos, superada a crise que abala todo o mundo capitalista, sejam um tempo de progresso e combate a todas as formas de pensamento reacionário, dentre eles o econômico.

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Um projeto de Nação


Uma nação é uma alma, um princípio espitirual (Ernest Renan)
Carlos Henrique de Pontes Vieira

O historiador e filólogo francês, autor da epígrafe acima, lapidarmente, arremata: "Duas coisas constituem uma nação: uma é a posse de um rico legado de lembranças; a outra é o consentimento atual, o desejo de viver juntos, a vontade de seguir apreciando a herança que se recebeu como uma posse comum"

O princípio espiritual, o desejo de viver juntos de que fala Renan, pode estar comprometido entre nós. Não é difícil constatarmos isso, não precisamos nem mesmo abrir os jornais para sentirmos a profunda fratura causada pela enorme concentração de renda que existe em nossa sociedade que, de acordo com a opinião de uma vasta maioria de estudiosos dos problemas sociais, é uma das causas mais preponderantes da escalada de violência de uns e do medo de outros.

Qual a razão desta concentração de renda se nem o próprio capitalismo é beneficiário dela ? Os três pilares desse sistema econômico são o investimento, a poupança e o consumo. Ora, a propensão a investir, a poupar e a consumir aumentam quando há uma distribuição mais eqüitativa dos rendimentos, e o aumento desses agregados econômicos é o alavancador de uma economia de mercado.

Pode-se objetar que um exército de reserva de mão-de-obra barata interessa ao sistema. Porém, interessa mais do que a formação de um mercado fabuloso, como seria o brasileiro, se a riqueza fosse melhor distribuída ? É difícil de acreditar, já que as nações desenvolvidas não concentram renda como nós. E mais, o custo do esgarçamento do tecido social é tão alto que é fácil concluir que há uma grande irracionalidade de nossas elites capitalistas ao optar pelo exército de reserva de mão-de-obra barata ao invés de uma distribuição razoável do que produzimos.

Folheando uma edição em espanhol da obra completa de Sigmund Freud, em "El porvenir de una ilusión", já em 1927, o grande psicanalista advertia que "Cuando una civilización no há logrado evitar que la satisfacción de un cierto número de sus partícipes tenga como premisa la opressión de otros, de la mayoria quizá – y así sucede en todas las civilizaciones actuales – es comprensible que los oprimidos desarrolen una intensa hostilidad contra la civilización que ellos mismos sostinen com su trabajo, pero de cuyos bienes no participan sino muy poco. En este caso no se puede esperar por parte de los oprimidos una assimilación de las prohibicions culturales, pues por el contrario, se negarán a reconocerlas, tenderán a destruir la civilización misma y eventualmente a suprimir sus premisas. La hostilidad de estas clases sociales contra la civilización es tan patente que há monopolizado la atención de los observadores impidiéndoles ver la que latentemente abrigan también las otras capas sociales mas favorecidas. No hace falta decir que una cultura que deja insatisfecho a un núcleo tan considerable de sus partícipes y los incita a rebelión no pude durar mucho tiempo, ni tampoco lo merece."
Resta-nos, pois, inspirados pela lucidez do mestre de Viena, a urgência de nos repensarmos em um novo projeto de nação que passe, obrigatoriamente, por uma redistribuição de rendas.

terça-feira, dezembro 13, 2005

A carapuça



Emir Sader
O que a oposição brasileira têm em comum com a venezuelana?

Em primeiro lugar, o peso que os grandes monopólios privados da mídia tem dentro da oposição. Lá como cá, quem dá as pautas de ação da oposição, quem se encarrega de massificá-las, de reiterá-las centenas e milhares de vezes, é a mídia, que funciona como uma espécie de partido da direita.
Para nós não é novidade. Toda a campanha prévia ao golpe militar de 1964 foi protagonizada pelos jornais privados – que, vale sempre a pena recordar, concitavam ativamente o golpe, à exceção da Última Hora -, com os partidos atuando como agentes da ação jornalística. Tem sido assim, cada vez mais, especialmente nas campanhas eleitorais, mas nos grandes acontecimentos – campanha pelas eleições diretas, pelo impeachment de Collor, denúncias atuais contra o PT -, esse papel é preponderante, até mesmo em definir a importância, determinando as pautas em debate no país e os enfoques que são dados a elas.
No golpe dado contra o governo de Hugo Chavez, em abril de 2002, essa função da grande imprensa privada venezuelana foi escandaloso. O expressivo documentário “A revolução não será televisionada”, feito por um canal escandinavo, relata esse papel, foi um grande sucesso nos canais alternativos, mas significativamente a grande mídia – escrita e televisiva – calou-se sobre o documentário. Porque este se constituiu em uma denúncia viva sobre o papel político dessa mídia.
Apenas para recordar, além de ter incitado o golpe sistematicamente na sua programação, ter convocado manifestações contra o governo – bem ao estilo do golpe de 1964 no Brasil -, ter apoiado o efêmero presidente da Federação das Industrias que assumiu o governo – fechando o Parlamento e o Judiciário, anunciando a privatização da empresa de petróleo, afoitamente - no momento em que a participação popular recolocou Hugo Chavez no poder, todos os canais privados de televisão deixaram de dar qualquer noticia, passando a exibir desenhos animados.
Em outras circunstâncias, essa mídia monopolista privada convocou uma lockout empresarial, que incluiu a empresa estatal do petróleo e durou vários meses. A programação televisiva exibe personagens da direita incitando ao assassinato do presidente da República e a outras formas de ações terroristas contra instalações estatais.
Em comum com a mídia privada brasileira está o caráter monopolista das duas, centradas em algumas poucas famílias e nos seus vínculos estreitos com as associações empresariais. Além disso, outro parentesco está na presença de grandes magnatas privados da mídia, vinculados a essas famílias, que ao mesmo tempo estão na lista das maiores fortunas do país e até mesmo do continente.

Se fosse necessário encontrar outro vínculo entre as duas oposições midiáticas, estão os reiterados rumores de que Gustavo Cisneros, o maior magnata da imprensa privada venezuelana e um dos maiores milionários do continente, teria comprado ações da endividadíssima Editora Abril brasileira. Não seria necessário este vínculo econômico direto para explicar os estilos de uma revista como a Veja e as similares da Venezuela, mas esse vínculo consolidaria os laços dessa cadeia de mídia bushiana no continente.
Além disso, a oposição de lá e de cá, buscam a ingovernabilidade, tratando de criar situações de desestabilização dos governos. Sua ação faz parte do projeto político do governo Bush, de enfraquecer a aliança regional que integra o a Argentina, o Uruguai, a Venezuela, Cuba, entre outros e que tem no Brasil seu eixo.
É uma oposição conservadora, que ressucita métodos da “guerra fria”, seja com a diabolização dos adversários, seja com a repetição sistemática dos mesmos chavões, com denuncias reiteradas, com algum fundamento ou não. A matéria sobre a nunca comprovada ajuda financeira de Cuba ao governo Lula é um tem constante e similar, aqui, na Venezuela, no México, na Bolívia e na Colômbia.
A oposição venezuelana apelou diretamente para o golpe e, derrotada, tenta agora conclamar a uma ação militar externa, com a tentativa de deslegitimar o sistema político. A oposição brasileira têm brandido o impeachment, a grande mídia privada tratou de criar as condições para isso, sem consegui-lo, mas um dos partidos opositores – o PFL, laranja do PSDB – diz que vai apresentar a proposta que, mesmo sem chance de vingar, trataria de manter a idéia da falta de legitimidade de Lula, durante toda a campanha eleitoral.
A própria reação “indignada” da grande mídia privada monopolista, dos partidos opositores e das associações empresarias brasileiras às declarações de Lula servem como confirmação da certeza da comparação. Senão não teriam vestido a carapuça.