sábado, março 26, 2016

Ao querido amigo analfabeto político

Por Leonardo Mendes

Peço que não me leves a mal por chamá-lo assim, e considere que isso não é uma ofensa, uma acusação de falha no caráter, nem mesmo culpa tua. E você não é meu inimigo.

Peço então apenas que pondere se não é verdade que nunca te interessaste por política. Se é mentira que até pouco tempo não sabias sequer diferenciar direita e esquerda. Que nunca leste livro algum sobre o tema ou atuaste em movimentos populares ou partidos políticos.

Digo então que não tens culpa, porque desde cedo foste ensinado a ser assim. A não discutir política ou desprezá-la, e tiveste toda a tua natural disposição ao tema – presente no animal político que és – cooptada por um sistema que te quer apenas como consumidor de candidatos, que te convoca a participar apenas de dois em dois anos, e que não te representa.

Como poderias, se desde o império representa os interesses de uma elite da qual tu não fazes parte, o 1% que te ilude diariamente enquanto tentas te informar no Jornal da Globo?

Lembras do editorial de O Globo contra o fim do financiamento a candidatos e partidos por empresas? E aquele contra a taxação de grandes fortunas? Talvez a capa que dizia que o 13º salário acabaria com a economia do país…

Talvez não tenhas te interessado tanto por esses temas na época, porque entre um e outro tinha um mar de lama da corrupção.

O que precisas entender então é que ser contra a corrupção não basta. Que é preciso ir muito além disso, já que hoje as maiores ilegalidades ainda são as permitidas.

Mas foste também convencido pelo 1% de que a legislação é a Justiça. De que os juízes são representantes de Deus na Terra, pois tens no Estado uma representação de teu próprio Deus, que tentas me impor. E esse Deus te garante privilégios, tu hás de convir.

Apesar de analfabeto político, és homem cis, branco, hétero, com pais de classe média. Tiveste acesso a toda educação formal que sonhaste, e hoje és doutor, apesar da crise. Tens também acesso a saneamento básico, plano de saúde e a PM não está em guerra na tua comunidade.

Acreditas então na economia e no mercado, e que basta te esforçares para alcançar tudo aquilo que o 1% recebeu como herança.

Na família Marinho, que tanto escutas, por exemplo, os três irmãos herdaram uma fortuna que hoje chega a mais de R$ 60 bilhões. Isso daria para comprar algo em torno de quarenta mil apartamentos como aquele do Guarujá, que acusas Lula de ser o dono. Ainda assim acreditas que a fortuna dos Marinhos é justa, honesta e meritocrática, e que Lula é o chefe da quadrilha.

Não quero tentar te convencer do contrário, mas sim que percebas que há mais perspectivas entre o céu e a terra.

Que pode parecer mais importante para muitos uma investigação sobre a mídia e seus parceiros no judiciário, do que uma sobre um apartamento de classe média de um ex-presidente.

A desproporcionalidade no tratamento a Marinhos e Lula é diretamente proporcional a diferença dos projetos que representam. Mas tu preferes discutir pessoas a ideias, todos sabem disso, e por isso existe o Big Brother. Não é à toa também que o espetáculo midiático em torno da política se aproxima tanto do entretenimento.

Tu te alimentas de ódios e paixões produzidos por edições maldosas da mídia ou frutos do inevitável destino de toda perspectiva. O que precisas entender é que de nada importa gritar o teu ódio contra corruptos, sendo que não encontrarás ninguém que defenda a corrupção. Não em público, e mesmo Paulo Maluf já disse que confia na justiça.

Peço-te então apenas que, para o bem de todos os cidadãos (tu incluído, nesse grupo tão diverso), leias mais sobre filosofia política, ao invés de assistir a tantos noticiários diariamente. Podes começar trocando meia-hora do tempo dedicado a odiar o Lula em frente à TV, por trinta páginas de Hannah Arendt, por exemplo.

Ou de “A Sociedade do Espetáculo”, da Constituição Brasileira (na parte dos direitos) ou mesmo da Bíblia (nas partes que o pastor esquece).

Sei que estais cansado e que preferes ligar a televisão ou procurar no Facebook as opiniões que queres ouvir, para confirmar as tuas – William Wack, por exemplo, que facilita muito esse processo, e não é sequer preciso assisti-lo pra saber o que ele disse. Mas se desejares realmente deixar de ser um analfabeto político, esse esforço certamente é necessário.

Talvez, em pouco tempo de boas leituras diárias, até te apaixones por política, e pare de utilizá-la para descarregar frustrações ou de visitá-la apenas nas urnas de dois em dois anos.

Mas precisarás admitir que foste assim por muito tempo, e que uma parte tua deseja ardentemente voltar a ser, logo depois de derrubar Dilma e ver restabelecida a paz nos noticiários.

Sei, porém, que não ruminas, então te peço apenas que evite os excessos que te atrapalham a digestão dos fatos. Que evites consumir Eraldo Pereira antes de dormir, ou revistas de fofocas políticas.

Em pouco tempo teu estômago odiará menos, e terás te curado da intolerância à democracia e à diversidade de pensamento. Só assim deixarás de ser um analfabeto político ou, mesmo, um idiota. Um ignorante motivado por lutas inglórias e guerras sujas, emburrecido ou preguiçoso demais para pensar e que decidiu então terceirizar o pensamento.

O Jornal da Globo agradece a audiência.

quarta-feira, março 23, 2016

A vingança conservadora

Wanderley Guilherme dos Santos


É falsa a tese de que o Judiciário se sobrepôs ao Executivo e ao Legislativo. A verdade aterradora é que um grupo de procuradores e juízes-bomba acuou as três instituições da ordem democrática usando a chantagem de se auto explodir, instalando, no ato, o estado natural da desordem. Utilizando um sistema estalinista de espionagem pública e doméstica, sem exceção de pessoas, investigadas ou não, conseguiu a adesão de corpos profissionais, agora sem pudor de promover farsas nazistas de julgamentos prévios e sumários. Sentenças proferidas antes de exame processual, degradação acusatória como substanciação das peças da promotoria, leviandades jornalísticas arroladas como provas irrefutáveis, fatos consumados com apelos à emoção popular, levaram associações profissionais e empresariais a aderir à ilegalidade, tentativa de salvar a face da impotência e medo de seus anéis. Com técnicas de bombardeio durante vinte e quatro horas por dia, pânico psicológico e duplo discurso afirmando fazer o oposto do que efetivamente faz, o grupo de fanáticos já defende sem disfarce a doutrina tirânica de que os fins justificam os meios, subscrita pelos órgãos de comunicação, crônicos sócios das aventuras ditatoriais do País.

É verdadeira a tese de que parte considerável da sociedade brasileira e das autoridades de que depende a integridade democrática tem se mostrado conivente com medidas de duvidoso fundamento jurídico, buscando apaziguar as bestas, tal como os primeiros ministros europeus diante do nazismo e fascismo ascendentes. As redes sociais festejam a próxima caça às bruxas do meio artístico, intelectual, sindical e de profissionais liberais, sem que sejam denunciadas e punidas, sim, punidas, porque convidam à violência e à destruição. Não é recente a revelação das sementes fascistas de parte da opinião pública brasileira. O fenômeno é consubstancial às sociedades capitalistas, e só contido por condições econômicas favoráveis e instituições democráticas vigilantes. À intolerância do irracionalismo sucumbem todos os países, se a oportunidade se lhe oferece, como o provam os péssimos espetáculos contemporâneos das civilizadas sociedades nórdicas, pós-crise de 2008.

A dignidade conquistada pelos pobres e miseráveis, negros, mulheres e minorias discriminadas, não seria esquecida pelo reacionarismo nacional, cultivador de ressentimento e ódio, semeador de ameaças, à espreita da primeira ocasião para vingança. Ela veio de contrabando em investigação pertinente e fundamentada, substituindo personagens e acrescentando ao contingente de comprovados vilões os responsáveis políticos pelo combate à miséria e à discriminação. A sanha vingativa repudia a legalidade e dispensa os ritos jurídicos, certa do silêncio cúmplice dos liberais brasileiros. Estes, outra vez, consomem a ilusão de que não é com eles. Pois a eles chegarão todos os excessos cometidos em nome da purificação política. A vingança conservadora promete cobrar enorme preço pela ousadia de quem a ignorou. Prometem fogo e prometem sangue. Os liberais serão corresponsáveis pela insanidade coletiva, programada pelo grupo de arruaceiros judiciários e inflamada pela imprensa totalitária.

terça-feira, março 22, 2016

A economia política de Lula

João Sicsú


É nítida a diferença entre o projeto de Lula e o daqueles que querem chegar o governo, não importa o caminho: a direita foca seu modelo no andar de cima 



Lula sabe que a inflação faz muito mal para a base social que pretende animar transformando-a em agente da dinamização econômica 

Alinhamento da grande mídia, posicionamento de membros do judiciário, ações da polícia Federal, manobras no parlamento, reações populares e disputas nas redes sociais têm algo que vai muito além da defesa do mandato ou o impeachment da presidente Dilma. 

Nesse momento, há na sociedade brasileira uma disputa de projetos para o país. Muita gente quer derrubar a presidente Dilma, mas não é por conta da corrupção. Se fosse, suas lideranças deveriam ser arautos da transparência e da luta contra a corrupção. 

Mas não são. São sonegadores de impostos, gente que tem conta na Suíça abarrotada de milhões de dólares, investigados em processos de corrupção ou quem tem no serviço público federal remuneração muito acima das regras. O jogo é outro. Apesar disso, ingênuos amarelados bradam contra a corrupção, mas estão nas mesmas fileiras que estão os grandes corruptos. É fácil perceber quem está de um lado e quem está do outro – e quais são os seus interesses econômicos e sociais. 

A favor da derrubada de Dilma e contra a volta de Lula ao governo estão: a FIESP, os bancos, o baronato da grande mídia, a direita, os ricos, as altas classes médias e muitos ingênuos (que bradam sinceramente contra a corrupção). 

Do lado oposto estão a Central Única dos Trabalhadores, o Movimento dos Sem-Terra, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, movimentos sociais, os marginalizados das periferias, os partidos de esquerda, gente que é de esquerda e não tem partido, democratas e nacionalistas. 

Esses agrupamentos representam interesses sociais e econômicos. Está aqui o objeto da economia política - que estuda a geração de renda, a produção de riqueza, a sua repartição na sociedade e a disputa de cada grupo por uma fatia maior. O que é legítimo. Trabalhador tem que querer maiores salários e empresários, maiores lucros. A questão fundamental é que para uma dada economia, os interesses de uns esbarram ou se confrontam com os interesses do outro lado. 

Esse é o jogo que está sendo jogado. Para a direita e seus aliados é necessário o rótulo da luta contra a corrupção porque isso amplia o seu leque de alianças. Entretanto, a luta é pelo governo para que possam implementar um projeto que atenda aos seus interesses econômicos e sociais. 

A direita e seus aliados desejam concentrar renda e riqueza em suas mãos. E para tanto, precisam reduzir ou acabar com programas sociais, rebaixar salários, cortar benefícios da Previdência, restringir direitos trabalhistas e reduzir recursos para a educação, cultura etc. 

Dessa forma, sobrarão recursos no orçamento federal para que recebam desonerações fiscais, capturem mais juros pelos títulos públicos que possuem, paguem menos impostos sobre seus lucros, recebam incentivos variados para os seus negócios e compartilhem o pré-sal com as petroleiras americanas. 

Eles não acreditam na capacidade nacional de desenvolvimento. Tudo deve vir de fora, produtos, multinacionais, capitais financeiros, projetos, ideias e ideais. Não é a toa que um deputado reconhecidamente corrupto, faz poucos dias, disse: “há muita gente disposta a financiar o negócio do impeachment” - ou seja, é um grande negócio e tem investidores. 

Lula representou, no período 2006-2010, o oposto disto tudo. O grande temor que Lula volte ao governo enquanto ministro da Casa Civil é que o seu projeto possa voltar. O período de 2006-2010 foi um período de forte crescimento econômico, de redução de desigualdades e de ampliação de oportunidades sociais (principalmente, na área da educação). Naquela fase, os empresários e banqueiros também ganharam. 

Eles preferem, contudo, muito mais um modelo parecido com o modelo da ditadura (1964-1985): além de considerarem politicamente mais seguro (inclusive para manter a corrupção), há crescimento com concentração de renda/riqueza e com liberdades democráticas restritas para que não possa haver contestação ao projeto em curso. Uma observação: os militares eram muito mais nacionalistas do que é a direita contemporânea e seus aliados. 

Aqui é fundamental sabermos que para a viabilização de projetos que concentram renda e riqueza e eliminam oportunidades sociais é necessário também limitar liberdades democráticas. É preciso ter leis e a justiça no mesmo projeto. A insatisfação dos de baixo deverá ser contida pela polícia e pelas forças armadas que cumprirão ordens dadas pela legalidade judicial. 

Em sentido oposto, Lula no ministério poderá recuperar a governabilidade, recuperar a economia e se tornar um candidato competitivo em 2018. Bastaria Lula fazer o governo reencontrar o modelo econômico e social do crescimento com geração de empregos, inclusão e distribuição de renda. 

E isso é possível. O foco de Lula é nos pobres e nos trabalhadores que fazem com que as políticas econômicas sejam potencializadas. É fácil entender. São milhões gastando tudo o que recebem e com isso fazendo o roda gigante da economia (que está parada) girar rapidamente. 

É exatamente aqui que fica nítida a diferença entre o projeto de Lula e o projeto daqueles que querem chegar ao governo já, não importa o caminho. A direita e seus aliados focam o seu modelo econômico no andar de cima: multinacionais, latifundiários, bancos, os ricos, milionários e as altas classes médias. Além da concentração de renda e de riqueza que pretendem realizar, deixarão a condução do Estado brasileiro e da economia para os mercados financeiros, as multinacionais e os latifundiários. 

Tudo indica, entretanto, que Lula nomeado ministro fará o governo esquecer a reforma fiscal e da Previdência anunciadas pelo ministro da Fazenda. Lula contaminará o governo e agentes econômicos e sociais para um grande projeto de geração de empregos e renda, tal como provou que é capaz de fazê-lo no seu segundo mandato. 

Isso não significará irresponsabilidade fiscal ou desconsiderar a necessidade de manter a inflação sob controle. Muito pelo contrário, a recuperação da economia fará a receita tributária aumentar e haverá o reequilíbrio das contas públicas. Além disso, Lula sabe que a inflação faz muito mal para a base social que pretende animar transformando-a em agente da dinamização econômica. 

Lula tentará conduzir o governo para governar para 175 milhões de brasileiros, enquanto o projeto da direita e seus aliados é governar apenas para 30 milhões. Lula desejará reduzir desigualdades de renda e de oportunidades. 

A direita e seus aliados pretendem concentrar a renda, a riqueza e para tanto precisam conter a rebeldia dos debaixo reduzindo a liberdade de manifestação para fazer contestação. Portanto, o que está em jogo são projetos para as próximas décadas, mais que um governo ou dois governos. O jogo é muito mais sério do que o combate à corrupção que para ser reduzida não é necessário destituir a presidente, já que contra ela não existe nenhuma acusação dessa natureza. 

Em conclusão, milhares, talvez milhões, de inocentes poderão ser vítimas dos seus gritos e atos de violência caso não percebam que o que está em jogo são projetos - cada qual com a sua economia política que busca atender interesses de segmentos sociais específicos. É preciso saber de que lado cada um estará. Do lado da redução das desigualdades e da busca por justiça social ou do lado oposto. Não existe terceira via. 

quarta-feira, março 09, 2016

Frase

A prática da arbitrariedade não a legitima. (Cristiano Zanin Martins)

Frase

A força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos: quando apenas conseguem identificar o que os separa e não o que os une. (Milton Campos)


segunda-feira, março 07, 2016

Teoria do solidarismo



Se todos os homens são interdependentes, aqueles que gozam de uma vantagem devem uma compensação aos demais. A sociedade representa um conjunto em que todas as partes estão estritamente unidas umas às outras, como as partes do corpo humano. Os exitosos são os que têm sabido aproveitar-se da ação dos outros, portanto são seus devedores. (Léon Bourgeois)

terça-feira, março 01, 2016

Um novo direito

Carlos HP Vieira

Falam mal da esquerda associando-a ao governo, mas não se dão conta de que o governo é de direita. As razões:

1. adoção do programa de ajuste fiscal do adversário derrotado
2. ataque indiscriminado aos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários
3. governa para bancos e rentistas com juros altos
4. R$ 500 bilhões do orçamento estão destinados a pagar juros da dívida pública
5. não moveu um músculo em defesa da Petrobras

A velha direita o ataca pelo estelionato eleitoral que a revelou e todo seu modo de agir.

A esquerda autêntica precisa abrir os olhos e saber que a luta contra a direita e a favor da justiça social não pode ser através do atual ordenamento jurídico porque ele é fruto da injusta ordem neoliberal para mantê-laA direita já sabe - e age assim - que auctoritas, non veritas, facit legem [é a autoridade, não a verdade, que faz a lei]. Urge que a verdadeira e genuína esquerda também saiba e aja assim para impor, com um novo direito, a justiça social e os seus generosos valores.

Nesta ordem jurídica neoliberal, summum jus, summa injuria [excesso de direito, excesso de injustiça].