sábado, setembro 24, 2011

Perdemos!

My heart suspects more than mine eye can see. (Shakespeare, Titus Andronicus, II, 3, fala de Quintus)

Caíque Vieira

Serei breve.

Ontem, 21 de setembro, a Câmara votou o projeto que regulamenta a Emenda Constitucional n. 29 que disciplina gastos estatais em saúde e rejeitou imposto que cobriria parte da carência de 45 bilhões de reais do setor. O tributo foi aprovado, mas 355 deputados tornaram a cobrança impossível ao excluir base de cálculo. Foi esse o expediente que eles usaram.

"Perdemos!" Foi o que eu disse logo que meu filho, 27 anos, médico, reumatologista do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), chegou às nove horas da noite em casa depois de uma noite de plantão e um dia estressante de trabalho árduo. Desiludido, mas sábio, ele me respondeu: "Eles não são usuários do SUS, não têm interesse".

Esta é a mais pura realidade. O SUS tem caráter universal, é um patrimônio social da nação que todos nós deveríamos reivindicar o seu financiamento e aperfeiçoamento de sua gestão, como fazem os noruegueses, alemães e monegascos que têm aplicado no setor público de saúde de seus países em torno de vinte vezes mais do que nós aplicamos aqui. Mas, não. Achamos que o SUS é para os pobres e não merece que gastemos tanto dinheiro com ele.

Quando se quer criticar um governo, a saúde vem logo em primeiro lugar, mas ninguém quer financiá-la. O Congresso Nacional e os políticos são alvos de toda sorte de impropérios, mas eles não surgiram de nenhum lugar estranho, ou de outro planeta, ou do nada, vieram do seio de nossa sociedade, escolhidos por nós, portanto são o reflexo dela. Foi fácil prever o resultado na Câmara a partir das respostas contra os meus artigos a favor da CSS.

A alíquota da CSS compensada - adjetivo que não vi nenhuma televisão pronunciar - era de apenas 0,1% da movimentação financeira que seria descontada na declaração do imposto de renda. Isso neutralizava o argumento de que a nossa carga tributária já é pesada demais. O tributo só seria cobrado de quem tem renda superior ao teto previdenciário, hoje fixado em 3.689 reais. Na prática, 95% da população estariam isentas e quem ganha 6.500 reais, por exemplo, pagaria menos de 3 reais por mês, uma ninharia, mas violentamente rejeitada por meus concidadãos. Apesar da alíquota baixa, isso seria suficiente para garantir 19 bilhões de reais a serem aplicados exclusivamente na saúde por ser uma Contribuição Social.

Que diabos de raciocínio fazem os meus patrícios quando, ao invés de pagarem esse valor inexpressivo de 3 reais para obterem um serviço de saúde de caráter universal e beneficiar a todos – como fazem os do estrangeiro a noruegueses, alemães e monegascos da classe média - preferem pagar planos de saúde privados que cobram para uma pessoa de 85 anos, por exemplo, o valor em torno de 900 reais?

Como Quintus - personagem de Titus Andronicus, peça de Shakespeare – cuja fala está acima em epígrafe: “Meu coração suspeita que há mais do que os meus olhos podem enxergar”, ou seja, deve haver um imenso lobby dos planos privados de saúde para que o SUS não floreça como um sistema de saúde público de excelência.

Um comentário:

Rafaela Ferraro disse...

Muito boa a matéria, Tio Caique!!
O Marquinho me contou, e eu achei a mesma coisa!
Adorei o novo layout do blog, e o detalhe especial da assinatura!
Parabéns! Grande beijo de sua fã!