quinta-feira, julho 02, 2009

O golpe militar em Honduras visto da Costa Rica


Reflexões de Juan Stam

O conflito hondurenho nessas semanas tem sido bastante complexo; porém uma coisa me parece indiscutível: o sequestro do presidente Zelaya e de numerosas pessoas foi uma atrocidade que todos/as devemos repudiar.

Na conferência de imprensa realizada no aeroporto de San José, por ocasião da chegada de Zelaya a Costa Rica, Óscar Arias denunciou sem meias palavras o golpe militar e deu seu apoio a Zelaya como presidente legítimo de seu país. Uma lista longa de outros governos condenou também o golpe. Esperemos que respaldem suas palavras com ações concretas de apoio à democracia hondurenha.

Honduras tem uma curiosa legislação para plebiscitos, que quase deixa sem força a consulta popular; porém, até onde eu saiba, não existe nenhuma lei que proíba uma consulta popular não vinculante. No entanto, o projeto de Zelaya está sendo rotulado de ilegal, apesar de ter sido respaldado por milhares de assinaturas. Parece que foi considerado ilegal somente porque diversos setores do governo decidiram declará-lo ilegal. Porém, por que fizeram isso? Existem provas realmente válidas da ilegalidade da consulta? Além disso, por que têm tanto medo a uma consulta popular? Por outro lado, por que Zelaya teve que recorrer a esta medida para que a voz do povo fosse escutada, mesmo quando fosse uma voz contra a proposta de uma Assembleia Constituinte? Por que tanto medo ao povo?

Honduras e Costa Rica são dois países muito distintos; porém, têm um problema em comum: em ambos países uma oligarquia poderosa controla tudo. Isso me ajuda a entender o dilema que incomodava Zelaya. Na Costa Rica, a oligarquia maneja absolutamente todos os centros de poder: a casa presidencial, a Assembleia Legislativa, a sala constitucional (Corte Suprema) e os demais tribunais, o Tribunal Supremo Eleitoral, a polícia (bastante militarizada e repressiva), a economia e os meios de comunicação. Sem exceção, todas as esferas de poder estão sujeitas aos mesmos magnatas! Nesse sentido, Costa Rica poderia chamar-se uma sociedade totalitária. Por isso, é imensamente frustrante ser oposição em Costa Rica e somente devido a uma incrível tenacidade continuam lutando pela justiça e pelo bem das maiorias, sem recorrer às armas.

É óbvio que Zelaya estava na mesma situação e ainda pior. Teve que romper o círculo vicioso do poder tradicionalista e, de alguma maneira, levar o conflito ao povo. Por isso, recorreu ao projeto pouco usual de uma consulta não vinculante sobre uma possível Assembleia Constituinte não controlada (tomara!) pela oligarquia de sempre. Não foi um problema constitucional ou legal, mas uma questão de poder.

Em todas as "democracias" que conheço, o poder acima de todos os poderes, e muito acima do poder do povo, é o do "poderoso cavalheiro, dom dinheiro". Esse fatal vício começa com os processos eleitorais, tão dependentes da propaganda paga. Na Costa Rica, o partido Liberación Nacional, da elite neoliberal, costuma gastar de dez a vinte vezes mais do que o segundo partido mais influente. É uma desigualdade gigantesca, de tigre solto contra burro amarrado. Os que podem comprar quantidades excessivas de espaços pagos na televisão e na imprensa e contratar os melhores expertos em propaganda e fabricação de imagens, gozam, por ser ricos, de uma vantagem que é grosseiramente injusta. Jamais poderá existir justiça em nenhum país sob estas circunstâncias, e a "democracia" não será mais do que um engano e um cruel eufemismo.

Além disso, aqueles meios massivos, que tanto lucram com nossa democracia, dedicam-se sistematicamente a enganar-nos. Poucas vezes se dedicam realmente a informar ao público. São grandes empresas muito lucrativas que tendem a favorecer os interesses de sues donos e de sua classe social. Raras vezes são equilibrados, dando igual cobertura aos diferentes lados de problemas controversos. Além disso, no caso da Costa Rica, praticamente não existem meios de comunicação de oposição. Então, é fácil fazer lavagem cerebral. Gastam fortunas em dizer-nos o que devemos pensar e depois fazem consultas para medir até onde alcançaram seus objetivos.

Graças a esses meios massivos, somente dizer "Chávez" é evocar demônios; porém, dizer "Álvaro Uribe" nos leva a ‘tirar o chapéu’ e saudar a um democrata exemplar. Na Venezuela, em uma vil operação muito parecida a de Honduras hoje, esses meios conseguiram "destituir" o presidente legalmente eleito, apesar de que somente por 24 horas. No entanto, continuam em sua campanha de propaganda venenosamente manipulada e tendenciosa. Por tudo isso, para ser cristão, fiel hoje, um primeiro passo é duvidar sistematicamente de tudo o que os meios de comunicação nos dizem.

Zelaya é acusado de aspirar a um segundo período presidencial. Nos Estados Unidos isso é normal. Óscar Arias e Álvaro Uribe estão cada qual em seu segundo mandato, sem nem sequer ter emendado suas constituições. Isso é democracia? Isso é respeito à legalidade e à institucionalidade? Zelaya, pelo contrário, respeita a lei e propõe uma consulta popular sobre uma possível Assembleia Constitucional. Se o povo não a quer, não haverá. E se houver; porém, o povo não quer que Zelaya continue, simplesmente não votarão nele.

A democracia não é um atributo ontológico ou algo que se possui; mas uma tarefa e um desafio. Na América Latina os processos saudáveis por mais democracia que estão acontecendo assustam as oligarquias. Em Honduras, Zelaya é parte desse processo. Tomara que possa terminar seu período legítimo. Tomara que aconteça a Assembleia Constitucional. O pior para Honduras seria voltar a um governo controlado pela elite soldadesca que tantos delitos cometeu no passado.

Escrevo isso no dia do golpe, com dor e paixão. Agradecerei sinceramente as opiniões dos demais, a partir de outras experiências e de outros pontos de vista.

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