quinta-feira, julho 16, 2009

Barack Obama e o golpe em Honduras




Carmelo Álvarez

É frustrante e amargo perceber as realidades que rodeiam a presidência dos Estados Unidos. Às vezes penso que Obama sente-se muito mais cômodo na presidência do que George W. Bush. Era evidente o rosto incômodo e o sofrimento penoso de Bush durante sua presidência. Não é segredo que a presidência era demais para ele, mesmo no sentido protocolar. Somente Gerald Ford o supera. Era tétrico vê-lo na televisão após muitas horas de ensaio, vê-lo tão inseguro diante das câmaras. Dizem por aqui que Karl Rove, seu amigo íntimo e assessor, até comunicava-lhe o que devia dizer nos debates presidenciais, através de um artefato tecnológico. Era uma mútua companhia de meninos medíocres e teimosos.

Porém, sempre nos perguntamos como operam os mecanismos e as influências que rodeiam a presidência dos EUA. O assunto é complexo. Em uma ocasião, o Sr. Rodrigo Carazo, naquela oportunidade presidente da Costa Rica (1978-1980), me comentava o difícil que era orientar-se em Washington, porque eram poderes em luta e muitas vezes descoordenados. Tentar entrevistar-se com funcionários dos distintos poderes do governo era como montar um quebracabeças.

Chegar até a Sala Oval da Casa Branca não é um processo simples. Imagino que quando se chega ali, coça-se a cabeça e diz-se: "Meu Deus, onde me meti". Estou quase certo de que Obama fez essa mesma pergunta. Nós, os homens negros, temos que fazer a pergunta em nosso íntimo porque o império não cede facilmente e carrega sobre nossos ombros o peso da dúvida. Eu experimentei isso quando me deram cargos de relevância em uma instituição educativa estadunidense eminentemente branca, e todo mundo se surpreendeu. Um latino nessa posição?! Jamais!

Sendo bem transparentes: para o império, o remédio foi eleger a Barack Obama. E uma vez que ele ganhou a primária democrata, teve que fazer negociações importantes em seu partido para chegar até a eleição presidencial! Devo sublinhar algo: tenho simpatia por Obama como pessoa. É inteligente. E a presidência não o incomoda. Porém, sejamos honestos, a presidência dos EUA não obedece a um indivíduo; nunca foi assim. É uma instância manejada por poderes justapostos e rodeados por múltiplos interesses que têm poderes econômicos extraordinários.

Barack Obama projetou uma imagem aceitável nos âmbitos internacionais; mesmo Fidel Castro reconhece isso. Porém, sua retórica está em conflito com seu poder real. Obama ganhou a presidência dos EUA; porém, não o poder imperial. Não controla nem o Pentágono, nem a política exterior. Esse é o verdadeiro poder em Washington. O Congresso e o Senado obedecem, na maioria dos casos, a esses interesses mais do que aos ditames da Casa Branca.

Assim, me parece crucial colocar em perspectiva o que sucede na América Latina e no Caribe em relação à administração Obama. Observe-se que Arturo Valenzuela, um cientista político chileno, muito próximo a Bill e a Hillary Clinton, é o novo subsecretário do Departamento de Estado para Assuntos Interamericanos e obedece a eles mais do que a Obama. Quando estou escrevendo isso, Thomas Shannon, republicano conservador próximo a Bush, continua conduzindo a política do Departamento de Estado dos Estados Unidos para a região Latinoamericana e Caribenha. Poderíamos, então, afirmar, sem medos de equivocar-nos, que a maioria dos postos chave na administração Obama estão nas mãos de políticos próximos e protegidos pelos Clinton. Além disso, poderíamos afirmar com muita pena que pessoas chave da administração Bush todavia têm grande ascendência e controle sobre muita informação e estratégia política e militar, além do que a administração Obama deseja. Hillary Clinton está em um fogo cruzado feroz entre os republicanos infiltrados em sua secretaria de Estado (John Negroponte, de ingrata recordação na América Central; e Hugo Llorens, cubano-americano expert em terrorismo e embaixador em Honduras). Ou será que realmente coincidem com eles? Esses dois personagens, Negroponte e Llorens, têm sido artífices de todo o processo de golpe em Honduras. Os processos vão esclarecendo que é assim. A tela inicial era que os Estados Unidos não aprovavam o "golpe" em Honduras. Manuel Zelaya mostrava-se mais tendente a "obedecer" a Washington, e Óscar Arias ficava no meio como um negociador desnecessário.

Era evidente que todo esse processo de negociação era uma fachada já ensaiada que no final demonstra que a mão imperial dos EUA estava ali do princípio ao fim. Obama ficou calado; Hillary falou o que não parecia necessário. O golpe de Estado em Honduras continua seu curso. A União Europeia (EU), a ONU e a OEA continuarão acomodando-se nas próximas semanas. Em novembro, acontecerão umas eleições manietadas; Zelaya ficará à margem. E Honduras voltará ao seu esquema de democracia tutelada e protegida. Obama não falará muito mais sobre o assunto.

Conheceremos e confirmaremos uma vez mais o que significam as posturas acomodatícias e ambivalentes que confirmam o poderio imperial dos Estados Unidos. A presença militar tão proeminente dos EUA em Honduras (vivi 17 anos na América Central), confirmará duas posturas evidentes: O império não cede! A verdadeira democracia na América Latina e no Caribe está em iminente perigo de ser detida e obstruída, buscando a recuperação de sua influência imperial na região!

Continuaremos vivendo sob a ameaça de um poder imperial, convencidos de que a busca de uma relação de respeito e igualdade no tratamento para com América Latina e Caribe terá começado de novo a ser erosionado. Barack Obama, provavelmente, nunca saiba o que está acontecendo. Isso é grave para ele e para os/as que desejaríamos que tivesse algum êxito. O poder imperial dos Estados Unidos é mais do que uma presidência; é um monstro, dizia nosso José Martí. Enquanto isso, esperaríamos um giro em Honduras que nos surpreendesse e que demonstrasse a cortesia e a dignidade presentes na tentativa, apesar de tímida, de chegar a processos democráticos. Não sou muito otimista. Uma vez mais, os Estados Unidos dão demonstração do que são capazes para manter seu poderio: recorrer à hipocrisia, à mentira e à extorsão, para continuar imperando. Essa tem sido sua estratégia. Os impérios não mudam tão facilmente.

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