quinta-feira, fevereiro 16, 2012

O ARDIL DA AUSTERIDADE

No que consiste a receita de austeridade que esmaga a Grécia (leia a análise de Marco Aurélio Weissheimer; nesta pag.), solapa a Itália, esfarela Portugal e Espanha entre  outros? Grosseiramente, trata-se de montar uma máquina  capaz de pagar  os juros aos credores. A meta é dar solvência a uma dívida contraída em regime de cumplicidade imprevidente - entre bancos e governos e entre bancos locais e estrangeiros - prática essa  tida como exemplo das virtudes da livre ciculação de capitais , cantada em prosa e verso na farra especulativa  que antecedeu ao colapso  de 2008.Como funciona a engrenagem desse colosso excretor de juros? De novo, em síntese rudimentar, trata-se de arrochar o consumo público e privado, ancorando a geração de caixa nas exportações. Daí a opressão laboral  e os cortes  de salário mínimo e aposentadorias exigidos pelos centuriões do euro, comandados pela generala Merkel , tendo na garupa seu petit  Napoleão, Sarkozy. Daí também o desmonte da esfera pública, com a supressão de serviços essenciais, a demissão maciça de funcionários e a  contração  irrestrita de investimentos. O ajuste europeu poderá gerar um colapso social até mais dramático que o produzido na crise da dívida externa vivida pelos países da América Latina, nos anos 80. Naquele caso, o recurso à desvalorização cambial como alavanca de impulso exportador, embora convergisse igualmente para a perda de poder aquisitivo dos trabalhadores - e era esse o objetivo - não impactava de forma direta e na mesma proporção o bolso de todos os assalariados. No caso europeu, a união em torno de uma moeda supranacional de valor interno fixo impede o ajuste cambial caso a caso. É preciso ir diretamente ao bolso do cidadão confiscar poder aquisitivo. A tal ponto que em Portugal, o governo Pereira Passos tentou ressuscitar a mais valia absoluta, elevando em meia hora diária a carga de trabalho, sem remuneração. É com base nesse torniquete que se pretende reerguer as sociedades afogadas na crise do euro, a partir de uma improvável e avassaladora explosão das exportações em cada país. As metas de receita  no comércio exterior são superlativas e fantasiosas, sobretudo por um detalhe: se o mundo está em crise e todos querem exportar, quem dará as ordens  de compras  necessárias à  redenção da engrenagem conservadora? A conta não fecha. A sangria social tende a assumir proporções hemorrágicas  de um empobrecimento sem paralelo. Uma espécie de argentinização européia. Na crise produzida pelo governo Menen, a escolarizada e próspera sociedade argentina viram 50% de sua população deslizar para baixo da linha da pobreza. Então as ruas explodiram.
 
(Carta Maior; 5ª feira; 16/02/ 2012)

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