quarta-feira, dezembro 21, 2005

Um projeto de Nação


Uma nação é uma alma, um princípio espitirual (Ernest Renan)
Carlos Henrique de Pontes Vieira

O historiador e filólogo francês, autor da epígrafe acima, lapidarmente, arremata: "Duas coisas constituem uma nação: uma é a posse de um rico legado de lembranças; a outra é o consentimento atual, o desejo de viver juntos, a vontade de seguir apreciando a herança que se recebeu como uma posse comum"

O princípio espiritual, o desejo de viver juntos de que fala Renan, pode estar comprometido entre nós. Não é difícil constatarmos isso, não precisamos nem mesmo abrir os jornais para sentirmos a profunda fratura causada pela enorme concentração de renda que existe em nossa sociedade que, de acordo com a opinião de uma vasta maioria de estudiosos dos problemas sociais, é uma das causas mais preponderantes da escalada de violência de uns e do medo de outros.

Qual a razão desta concentração de renda se nem o próprio capitalismo é beneficiário dela ? Os três pilares desse sistema econômico são o investimento, a poupança e o consumo. Ora, a propensão a investir, a poupar e a consumir aumentam quando há uma distribuição mais eqüitativa dos rendimentos, e o aumento desses agregados econômicos é o alavancador de uma economia de mercado.

Pode-se objetar que um exército de reserva de mão-de-obra barata interessa ao sistema. Porém, interessa mais do que a formação de um mercado fabuloso, como seria o brasileiro, se a riqueza fosse melhor distribuída ? É difícil de acreditar, já que as nações desenvolvidas não concentram renda como nós. E mais, o custo do esgarçamento do tecido social é tão alto que é fácil concluir que há uma grande irracionalidade de nossas elites capitalistas ao optar pelo exército de reserva de mão-de-obra barata ao invés de uma distribuição razoável do que produzimos.

Folheando uma edição em espanhol da obra completa de Sigmund Freud, em "El porvenir de una ilusión", já em 1927, o grande psicanalista advertia que "Cuando una civilización no há logrado evitar que la satisfacción de un cierto número de sus partícipes tenga como premisa la opressión de otros, de la mayoria quizá – y así sucede en todas las civilizaciones actuales – es comprensible que los oprimidos desarrolen una intensa hostilidad contra la civilización que ellos mismos sostinen com su trabajo, pero de cuyos bienes no participan sino muy poco. En este caso no se puede esperar por parte de los oprimidos una assimilación de las prohibicions culturales, pues por el contrario, se negarán a reconocerlas, tenderán a destruir la civilización misma y eventualmente a suprimir sus premisas. La hostilidad de estas clases sociales contra la civilización es tan patente que há monopolizado la atención de los observadores impidiéndoles ver la que latentemente abrigan también las otras capas sociales mas favorecidas. No hace falta decir que una cultura que deja insatisfecho a un núcleo tan considerable de sus partícipes y los incita a rebelión no pude durar mucho tiempo, ni tampoco lo merece."
Resta-nos, pois, inspirados pela lucidez do mestre de Viena, a urgência de nos repensarmos em um novo projeto de nação que passe, obrigatoriamente, por uma redistribuição de rendas.

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