quarta-feira, novembro 21, 2012

Um vergonhoso julgamento de exceção


Caíque Vieira

"Algum dia, mais cedo ou mais tarde, a vítima poderá ser você. O arbítrio não manda recado ou aviso-prévio." (Beltolt Brecht)

Não há nada mais significativo para rejeitar o julgamento da ação penal 470 do que a desautorização, pelo próprio autor do desenvolvimento da teoria do domínio do fato, do uso e interpretação feita pelo relator da ação e pelo STF.

O alemão Claus Roxin esteve aqui no Brasil e deu entrevistas estarrecido com a interpretação e o mau uso de sua teoria, citando onde ela foi bem interpretada e aplicada aqui na América Latina:  Peru, no julgamento de Alberto Fujimore e Argentina, no julgamento de Rafael Videla, desmascarando, assim, o cínico e fascista argumento de que os crimes de colarinho branco não deixam rastro e não têm condições de serem provados.

Há uma desonestidade intelectual não só dos juízes da nossa Corte Suprema que adulterou a teoria, mas também de todos aqueles que, na sanha de condenar, nem sequer procuram tomar conhecimento desse fato. 

O relator é um desatinado e desatinados são os que o idolatram. Quem conhece um pouco de direito e ciência política percebe com clareza esse desatino. Um homem que não permitiu aos réus o duplo grau de jurisdição; que não promoveu um julgamento jurídico, técnico, e impôs um segundo julgamento político, sem que tivessem a competência para isso, pois não a delegamos para eles, e sim para o Congresso Nacional onde já havia acontecido esse julgamento com os mandatos cassados dos réus; que desrespeitou os mais elementares princípios de um Estado Democrático de Direito, tais como o acesso a um julgamento jurídico e imparcial, a presunção de inocência, a necessidade de provas robustas para se condenar réus, o in dubio pro reo, a ampla defesa, o duplo grau de jurisdição, a triangulação processual - defesa e acusação em condições equivalentes e um juiz imparcial - permitindo que o vértice da acusação se fortalecesse com o apoio da grande imprensa e, ele próprio, atuando como um acusador - temos o conhecimento de que ele nunca foi juiz, não foi a sua formação, ele foi sempre um acusador e esse foi o papel que ele assumiu; a inversão da data de julgamentos de mesma natureza cujos processos já estão no STF, como é o caso do processo contra o PSDB mineiro, julgando primeiro o mais recente e deixando para depois o mais antigo; o julgamento a toque de caixa para forçar a coincidência com as eleições (diga-se de passagem, deu com os burros n'água, o eleitorado homologou o PT ampliando a influência do partido); a notória falta de paciência e o cerceamento da atividade do revisor que exercitava o contraditório por ser essa a sua função constitucional, a de ser a chance de um réu de única instância, esta forçada porque, a rigor, Dirceu e Genoino já não eram para ser réus de única instância no STF, mas réus comuns por não terem mais os seus mandatos, pois foram cassados no primeiro julgamento político - este, sim, nos conformes - porque aconteceu apropriadamente no Congresso Nacional; inverteu entendimentos já consagrados há tempos pela Corte Suprema, configurando-se a excepcionalidade do julgamento.

Enfim, estamos, toda a sociedade brasileira, num mato sem cachorro porque perdemos a segurança jurídica que é um dos princípios basilares de qualquer ordenamento de um Estado que se diz democrático e tudo por absoluta irresponsabilidade do condutor desse vergonhoso julgamento de exceção que pretende-se e posa de semi-deus.



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