Marina, a verdade não é calúnia, por isto dói
No princípio,
Aécio era o predileto dos banqueiros. Houve a tragédia, veio Marina Silva e
roubou-lhe o trono. O que cativou a banca não foram os xales da outrora
seringueira. Tal e qual “Riobaldo” do Grande Sertão, Marina fez um
pacto. Riobaldo, com o “Demo”; Marina, com os banqueiros. A banca largou Aécio
na chapada por dois motivos: ele tem pouco voto e, além disso, porque a
ex-ministra teve a proeza de se apresentar “mais” neoliberal do que o afilhado
de FHC.
Por Adalberto
Monteiro*
A travessia de Marina à margem direita vem de
longe. Agora, completou a passagem. Fincou os pés na outra banda. E ao fazê-lo
se tornou porta-bandeira do que há de pior no espectro da direita: a oligarquia
financeira. Basta ler o programa da Rede-PSB, basta ouvir a pregação da
candidata. Nessa última semana, a defesa da autonomia do Banco Central se
tornou uma ladainha na boca da candidata da Rede-PSB. “O mais rápido possível”,
tal e qual ela e Neca Setubal lavraram no plano de governo.
Por falar na senhora Setubal, nos últimos dias, os jornalões que recebem
polpudas verbas publicitárias do Itaú-Unibanco escalaram um elenco de
articulistas para saírem em defesa da referida senhora. Em madrigais chorosos,
dizem que ela seria apenas uma indefensa educadora sob uma campanha
difamatória. Sua parte no banco não seria tão grande assim, além do que há
muito ela estaria a léguas dos negócios da família. Mas, convenhamos, não pobre
o bastante que a tenha impedido de doar mais de R$ 1 milhão ao instituto Marina
no ano de 2013. A senhora Setubal não é uma espécie de assessora espiritual de
Marina Silva, mas, nada mais, nada menos do que a coordenadora do programa de
governo da candidata. Só isto. Quem põe e tira compromissos ao sabor das
pressões é Neca.
Uma festa de gala ocorrida na capital paulista, no último 3 de setembro, talvez
ajude a esclarecer se são “calúnia” ou verdade os vínculos de Marina com o
setor financeiro. Na festa dos 90 anos de fundação do Itaú-Unibanco, diante de
mil convidados (executivos, rentistas, especuladores, etc.), Roberto Setubal,
presidente desse que é o maior banco privado do país, fez da Sala São Paulo um
palanque, e da festa um comício vip pró-Marina.
E dois episódios seguintes mostram que Marina – depois de pactuar com
banqueiros locais – ajuíza compromissos também com banqueiros estrangeiros.
Primeiro: Também, em São Paulo, os principais coordenadores da campanha da candidata
Marina reuniram-se, no último dia 8, com executivos do Bank of America Merrill
Lynch (BofA). Uma plateia formada por 500 clientes do BofA ouviu atentamente os
compromissos programáticos de Marina. Dizem os jornais que o seleto auditório
saiu dali com um sorriso largo. “As propostas agradaram.” Além da autonomia do
Banco Central, o cardápio suculento de promessas incluiu: administração de
correção de preços (leia-se tarifaço), trajetória da inflação (juros altos),
recuperação dos fundamentos do superávit primário (arrocho fiscal).
Segundo: A agência de rating Moody’s rebaixou a nota do Brasil. Essas agências
se revelaram altamente suspeitas na crise econômico-financeira mundial que
estourou em 2008. Muitas delas erraram deliberadamente seus prognósticos. O
vínculo de seus chefes com conglomerados financeiros foi desnudado. Por
manipular dados, alguns foram até para a cadeia. Pois bem, a quase 15 dias das
eleições, tal agência resolve proclamar que o risco Brasil aumentou. Senha para
nossa economia sofrer ataques especulativos da banca. Artimanha para oferecer,
como aconteceu, manchetes garrafais contra o governo da presidenta Dilma. Uma
mãozinha da cavalaria estrangeira à campanha de Marina. A ex-senadora, mais do
que depressa, endossa o prognóstico da Moddy’s, faz coro ao oráculo da banca.
Mas, isso não pode prejudicar o Brasil? Ao que parece pouco importa para
Marina.
A presidenta Dilma segue orientada pela “tática da verdade”. Presta contas do
que fez, apresenta suas propostas para o futuro e polemiza programaticamente
com Marina Silva. A grande mídia distorce, chama isto de “pancadaria”, e Marina
diz que é “tática do medo”. Contra uma peça publicitária da campanha de Dilma
que esclarece os prejuízos da autonomia do BC, a Rede-PSB diz que vai aos tribunais
contra o que ela chama de “calúnia” e “difamação”.
Mas a verdade é outra. Marina pactou com os magnatas das finanças e fez questão
de alardear e até ostentar os compromissos que assumiu, e de exibir com pompa
suas novas companhias, bem antagônicas às de sua origem. Viragem que a levou a
sacar aquele disparate de que tanto Chico Mendes quanto Antônio Luiz Seabra,
dono da Natura, são integrantes da “elite”.
O que Marina esperava? Salva de palmas, chuva de pétalas de rosa ante um
Programa de governo que representa uma ameaça ao povo e ao país, posto que sela
um pacto com os banqueiros, que ataca a política externa – fator de reforço da
soberania nacional e de expansão do comércio exterior –, que recua de
compromissos indispensáveis para que construamos uma sociedade sem
preconceitos, que sinaliza deixar nas profundezas do oceano a riqueza do
pré-sal, trunfo importante para financiar a saúde e educação?
Ninguém trai o povo impunemente, sobretudo se é filho, ou filha, dele. Marina
fez sua escolha. Mudou de lado. Outro dia o jornal O Estado de S. Paulo, na sua
edição online, estampou uma manchete: “Marina defende Neca Setubal e ataca PT”.
Antes, uma lutadora do povo, defensora dos seringueiros, hoje defendendo os
banqueiros. A rima é pobre, a traição é grande.
*Presidente da
Fundação Maurício Grabois e editor da revista Princípios
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