sexta-feira, março 26, 2010

A reforma da saúde dos EEUU

Fidel Castro

Barack Obama é um crente fanático do sistema capitalista imperialista imposto pelos Estados Unidos ao mundo. "Deus abençoe os EUA”, conclui em seus discursos.

Alguns de seus fatos feriram a sensibilidade da opinião mundial, que viu com simpatia a vitória do cidadão afro-americano frente ao candidato da extrema direita do país. Apoiando-se em uma das mais profundas crises econômicas que o mundo conheceu e na dor dos jovens norte-americanos que perderam a vida ou foram feridos e mutilados nas guerras genocidas de conquista do seu antecessor, obteve os votos da maioria dos 50% dos norte-americanos que se dignaram a ir às urnas nesse país democrático.

Por elementares razões éticas, Obama devia abster-se de aceitar o Prêmio Nobel da Paz, quando já havia decidido enviar 40 mil soldados a uma guerra absurda no coração da Ásia.

A política militarista, o saque de recursos naturais, o intercâmbio desigual da atual administração com os países do Terceiro Mundo, em nada se diferencia de seus antecessores, quase todos de extrema direita, com algumas exceções ao longo do século passado.

O documento antidemocrático imposto na Cúpula de Copenhague à comunidade internacional – que havia dado crédito a sua promessa de cooperar na luta contra as mudanças climáticas – foi outro de seus fatos que desiludiram muitas pessoas no mundo. EUA, o maior emissor de gases de efeito estufa, não estava disposto a realizar os sacrifícios necessários apesar das palavras anteriores bajuladoras de seu presidente.

Seria interminável a lista de contradições entre as idéias que a nação cubana vem defendendo com grande sacrifício durante meio século, e a política egoísta desse colossal império.

Apesar disso, não temos nenhuma ojeriza a Obama, e muito menos ao povo dos EUA. Consideramos que a reforma da saúde constituiu uma importante batalha e um êxito de seu governo. Parece, entretanto, algo realmente insólito que 234 anos depois da Declaração de Independência, na Filadélfia, no ano de 1776, inspirada nas idéias dos enciclopedistas franceses, o governo desse país tenha aprovado a asistência médica para a imensa maioria dos cidadãos, algo que Cuba alcançou para toda sua população há meio século, apesar do cruel e desumano bloqueio imposto e ainda vigente por parte do país mais poderoso que já existiu. Antes, depois de quase um século de independência e de sangrenta guerra, Abraham Lincoln pode conseguir a liberdade legal dos escravos.

Não posso deixar de pensar que falamos de um mundo onde mais de um terço da população necessita de atenção médica e de medicamentos essenciais para garantir a saúde, situação que se agravará à medida em que as mudanças climáticas sejam cada vez maiores, em um mundo globalizado em que a população cresce, os bosques desaparecem, a terra agrícola diminui, o ar se torna irrespirável e a espécie humana que o habita – essa existente há menos de 200 mil anos – corre o risco de desaparecer como espécie.

Admitindo que a reforma do sistema de saúde signifique um êxito para o governo de Obama, o atual presidente dos EUA não pode ignorar que as mudanças climáticas significam uma ameaça para a saúde e, ainda pior, para a própria existência de todas as nações do mundo, quando o aumento da temperatura – para além dos limites críticos que estão à vista – dilui as águas congeladas das geleiras e das dezenas de milhões de quilômetros cúbicos armazenados nas enormes capas de gelo acumuladas na Antártida, Groenlândia e Sibéria se derretam em poucas dezenas de anos, deixando debaixo da todas as instalações portuárias do mundo e as terras onde hoje vive, se alimentar e trabalha grande parte da população mundial.

Obama, os líderes dos países ricos e seus aliados, seus cientistas e seus centros sofisticados de pesquisa sabem disso; é impossível que ignorem.

Compreendo a satisfação com que se expressa e se reconhece, no discurso presidencial, apoio dos membros do Congresso e a administração que fizeram possível o milagre da reforma da saúde, o que fortalece a posição do governo frente a lobistas e a mercenários da política que limitam as capacidades da administração. Seria pior se os que protagonizaram as torturas, os assassinatos por encomenda e o genocídio ocupassem novamente o governo dos EUA. Como pessoa inquestionavelmente inteligente e suficientemente bem informada, Obama conhece que não há exagero em minhas palavras. Espero que as tolices que às vezes expressa sobre Cuba não ofusquem sua inteligência.

Imigração

Por conta do êxito nesta batalha pelo direito à saúde de todos os norte-americanos, 12 milhões de imigrantes, em sua imensa maioria latino-americanos, haitianos e de outros países do Caribe demandam a legalização nos EUA, onde realizam os trabalhos mais duros e dos quais não pode prescindir a sociedade norte-americana, na qual são presos, separados de seus familiares e deportados a seus países.

A imensa maioria imigrou para a América do Norte como consequência das tiranias impostas pelos EUA aos países da região e a brutal pobreza a que vêm sido submetidos como conseqüência do saque de seus recursos e o intercâmbio desigual. Suas remessas familiares constituem uma elevada porcentagem do PIB de suas economias. Esperam agora um ato elementar de justiça. Se ao povo cubano foi imposta uma Lei de Ajuste, que promove o roubo de cérebros e dos jovens instruídos, por que são usados métodos tão brutais com os imigrantes ilegais dos países latino-americanos e caribenhos?

O devastador terremoto que açoitou o Haiti – o país mais pobre da América Latina, que acaba de sofrer uma catástrofe natural sem precedentes que implicou na morte de mais de 200 mil pessoas – e o terrível dano econômico, que outro fenômeno similar ocasionou no Chile, são provas eloquentes dos perigos que ameaçam a chamada civilização e a necessidade de drásticas medidas que outorguem à espécie humana a esperança de sobreviver.

A Guerra Fria não trouxe nenhum benefício à população mundial. O imenso poder econômico, tecnológico e científico dos EUA não poderia sobreviver à tragédia que ameaça o planeta. O presidente Obama deve buscar em seu computador os dados pertinentes e conversar com seus cientistas mais eminentes; verá o quão longe está seu país de ser o modelo que preconiza para a humanidade.

Por sua condição de afro-americano, ali sofreu as afrontas da discriminação, segundo narra em seu livro Os sonhos do meu pai; ali, conheceu a pobreza em que vivem dezenas de milhões de norte-americanos; ali, educou-se, mas, ali, também desfrutou como profissional êxito dos privilégios da classe média e terminou idealizando o sistema social em que a crise econômica, as vidas de norte-americanos inutilmente sacrificadas e seu indiscutível talento político lhe deram a vitória eleitoral.

Apesar disso, para a direita mais recalcitrante, Obama é um extremista a quem ameaçam com uma batalha no Senado para neutralizar os efeitos da reforma da saúde e sabotá-la abertamente em vários Estados, declarando inconstitucional a lei aprovada.

Sistema financeiro

Os problemas da nossa época são ainda muito mais graves.

O Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e outros organismos internacionais de créditos, sob controle estrito dos EUA, permitem que os grandes bancos norte-americanos – criadores dos paraísos fiscais e responsáveis pelo caos financeiro no planeta – seja salvos pelos governos desse país em cada uma das frequentes e crescentes crises do sistema.

A Reserva Federal dos EUA emite a seu capricho as divisas conversíveis que financiam as guerras de conquista, as ganâncias do Complexo Militar Industrial, as bases militares distribuídas pelo mundo e os grandes investimentos com que as multinacionais controlam a economia em muitos países do mundo. Nixon suspendeu unilateralmente a conversão do dólar em ouro, enquanto as abóbadas dos bancos de Nova York guardam sete mil toneladas de ouro, algo mais que 25% das reservas mundiais desse metal, cifra que, ao final da Segunda Guerra Mundial, superava 80%. Argumenta-se que a dívida pública ultrapassa os 10 milhões de dólares, o que supera 70% de seu PIB, um peso que é passado para as novas gerações. Isso é afirmado quando, na verdade, é a economia mundial que sustenta essa dívida com os enormes gastos em bens e serviços para os quais contribui para adquirir dólares norte-americanos, com os quais as grandes multinacionais desse país vêm se apoderando de uma parte considerável das riquezas do mundo, e sustentam a sociedade de consumo dessa nação.

Qualquer um compreende que tal sistema é insustentável, e porque os setores mais ricos nos EUA e seus aliados no mundo defendem um sistema sustentável somente com a ignorância, as mentiras e os reflexos condicionados semeados na opinião mundial através do monopólio dos meios de comunicação de massa, incluindo as principais redes da Internet.

Hoje, o andaime entra em colapso diante do avanço acelerado das mudanças climáticas e suas fatais consequências, que põe a humanidade diante de um dilema excepcional.

As guerras entre as potências não parecem ser a solução possível às grandes contradições, como foram até a segunda metade do século 20; mas, por sua vez, incidiram de tal forma sobre os fatores que tornam possível a sobrevivência humana, que podem colocar fim prematuramente à existência da atual espécie inteligente que habita nosso planeta.

Ciência e desenvolvimento

Há uns dias, expressei minhas convicções de que, à luz dos conhecimentos científicos que hoje são dominados, o ser humano deverá resolver seus problemas no planeta Terra, já que jamais poderá ultrapassar a distância que separa o Sol da estrela mais próxima, localizada a quatro anos luz, velocidade que equivale a 300 mil quilômetros por segundo – como conhecem nossos alunos de escola secundária básica –, se ao redor desse sol existisse um planeta parecido com a nossa bela Terra.

Os EUA investem fabulosas quantias para comprovar se no planeta Marte há água, e se existiu ou existe alguma forma elementar de vida. Ninguém sabe para que, senão por pura curiosidade científica. Milhões de espécies vão desaparecendo em ritmo crescente em nosso planeta e as fabulosas quantidades de água constantemente estão sendo envenenadas.

As novas leis da ciência – a partir das fórmulas de Einstein sobre a energia e a matéria, e a teoria da grande explosão como origem das milhões de constelações e infinitas estrelas ou outras hipóteses – vêm dando lugar a profundas mudanças nos conceitos fundamentais como o espaço e o tempo, que ocupam a atenção e as análises de teólogos. Um deles, nosso amigo brasileiro Frei Betto, aborda o tema em seu livro A obra do artista: Uma visão holística do Universo, apresentado na última Feira Internacional do Livro de Havana.

Os avanços da ciência nos últimos cem anos têm impactado os enfoques tradicionais que prevaleceram ao longo de milhares anos nas ciências sociais e inclusive na Filosofia e na Teologia.

Não é pouco o interesse que os mais honestos pensadores prestam aos novos conhecimentos, mas não sabemos absolutamente nada do que pensa o presidente Obama sobre a compatibilidade das sociedades de consumo e da ciência.

Enquanto isso vale a pena dedicar-se de vez em quando a meditar sobre esses temas. Com segurança, o ser humano não deixará de sonhar e encarar as coisas com a devida serenidade e com nervos fortalecidos. É o dever, ao menos daqueles que escolheram o ofício da política e o nobre e irrenunciável propósito de uma sociedade humana solidária e justa.

quinta-feira, março 25, 2010

Cuba, o David caribenho

Vês que desafias
com a pedra da justiça
o bruto Golias ?
















terça-feira, março 23, 2010

EUA e seus direitos humanos: 640 tentativas de matar Fidel

Prensa Latina

Agora que os Estados Unidos e seus aliados, em sua campanha midiática contra Cuba, se proclamam defensores da vida humana, os cubanos recordam que isso pode ser desmentido, entre outras coisas, pelas 640 tentativas de assassinar Fidel Castro.

Não é segredo para ninguém que este insólito número de atentados contra a vida do dirigente de um país fez parte da estratégia oficial elaborada pelas mais altas autoridades norte-americanas e cuja aplicação foi ordenada aos seus organismos de inteligência e espionagem.

Nestes dias, foi lembrado o 50º aniversário da portaria assinada pelo então presidente dos Estados Unidos, Dwight Eusenhower, em março de 1960, dando luz verde a todas as operações secretas destinadas a derrubar o governo cubano, entre as quais sempre se destacaram os ataques terroristas e um projeto de eliminação física de Fidel Castro.

Documentos tornados públicos pelos arquivos inclusive da Agência Central de Inteligência (CIA), confissões de presos nos esforços para consumar os fatos ou daqueles que se aventuraram na invasão da Baía dos Porcos, audiências parlamentares esclarecedoras e meia dúzia de filmes revelando tais planos são as melhores provas existentes.

A insólita variedade de formas escolhidas para eliminar o líder da revolução cubana poderia parecer um elemento novelesco se elas não tivessem constituído ações concretas aprovadas em mais alto nível nos Estados Unidos.

Desde tentar envenenar Fidel Castro durante o consumo de um alimento ou de um charuto, até comprar a traição de alguém que o mataria durante um comício na Universidade de Havana, passando por muitas outras formas de homicídio, todas foram tentativas frustradas pela eficiência da Segurança do Estado cubano.

Os complôs para atingir este objetivo no exterior foram extremamente perigosos e seus mal sucedidos autores sempre foram protegidas pelas instâncias estadunidenses, que lhes encomendaram tais projetos de magnicídio.

Um dos últimos foi aquele preparado no Panamá, por ocasião da celebração de uma cúpula Pan-Americana de Chefes de Estado e de Governo, frustrado pela denúncia de Cuba e que, se tivesse se materializado, teria custado um imenso número de vidas, ao explodir o salão nobre da Universidade na qual Fidel Castro falaria a uma multidão de estudantes.

Ali apareceu como autor, mais uma vez, o conhecido terrorista Luis Posada Carriles, preso, condenado por um juiz e indultado depois por um governo panamenho e acolhido de braços abertos por grupos terroristas em Miami, para que continue seus velhos hábitos.

Estas centenas de projetos de assassinato que não tiveram êxito não pareceram nunca uma violação do direito à vida para aqueles que os ordenaram, organizaram e executaram, e que nunca perderam a esperança de serem capazes de consumá-los.

Para os cubanos, é fácil identificá-los agora como os mesmos que dirigem a campanha midiática contra Cuba e que se proclamam defensores dos direitos humanos, acompanhados por aqueles que nunca levantaram um dedo sequer para condenar este tipo de terrorismo de Estado como contra a nação antilhana.

sábado, março 20, 2010

Milton Friedman não salvou o Chile

Naomi Klein

Desde que a desregulamentação causou um desastre econômico mundial em setembro de 2008 e todo mundo voltou a ser keynesiano, não tem sido fácil posar de seguidor fanático do falecido economista Milton Friedman. A sua variedade de fundamentalismo de livre mercado está tão desacreditada que seus admiradores estão cada vez mais desesperados por reivindicar vitórias ideológicas, por mais exageradas que sejam tais reivindicações. Vamos considerar o caso de um exemplo especialmente desagradável. Apenas alguns dias depois de um terremoto demolidor golpear o Chile, Bret Stephens, colunista do Wall Street Journal, informava seus leitores que “o espírito de Milton Friedman sobrevoava o Chile como um protetor”, uma vez que, “graças a ele em boa medida, o país havia resistido a uma tragédia que poderia ter se tornado um apocalipse. Não foi por acaso que os chilenos viviam em casas feitas com tijolos – e os haitianos em casas de palha – quando chegou o lobo tentando derrubá-las com um sopro”.

Segundo Stephens, as medidas radicais pró-livre mercado prescritas ao ditador chileno Augusto Pinochet por Milton Friedman e seus infames “Chicago Boys” constituem a razão pela qual o Chile é uma nação próspera que dispõe “de códigos de edificação que figuram entre os mais rigorosos do mundo”.

Há um problema de vulto com essa teoria: o código moderno de edificação sísmica no Chile, redigido para resistir a terremotos, foi adotado em 1972. A data é enormemente significativa, pois se trata de um ano antes de Pinochet tomar o poder mediante um sangrento golpe de Estado apoiado pelos Estados Unidos. Isso quer dizer que, se há alguém que merece o crédito por essa lei, não é Pinochet, mas sim Salvador Allende, o presidente socialista chileno democraticamente eleito (o certo é que se deve agradecer a muitos chilenos, uma vez que as leis respondem a uma história cheia de terremotos, e as primeiras disposições foram adotadas na década de 1930).

Parece significativo ainda que a lei tenha sido promulgada em meio a um asfixiante embargo econômico (“que a economia grite”, grunhiu, segundo a fama, Richard Nixon quando Allende ganhou as eleições em 1970). O código de edificações foi atualizado nos anos 90, bem depois que Pinochet e os Chicago Boys abandonassem finalmente o poder e o Chile retornasse á democracia.

Não é surpreendente, como aponta Paul Krugman, que Friedman fosse ambivalente em relação aos códigos de edificação, considerados por ele como mais uma violação da liberdade capitalista. Quanto ao argumento de que as políticas de Friedman são a razão pela qual os chilenos vivem em “casas de tijolo” ao invés de “casas de palha”, fica claro que Stephens não sabe nada do Chile antes do golpe. O Chile dos anos 60 gozava do melhor sistema sanitário e educacional do continente, além de dispor de um efervescente setor industrial e de uma classe média em rápido crescimento. Os chilenos acreditavam em seu Estado, razão pela qual elegeram a Allende para ampliar ainda mais esse projeto.

Após o golpe e o assassinato de Allende, Pinochet e seus Chicago Boys fizeram tudo o que puderam para desmantelar a esfera pública chilena, privatizando as empresas públicas e reduzindo as regulamentações financeiras e comerciais. Criou-se uma enorme riqueza neste período, mas a um preço terrível: no início dos anos 80, as medidas de Pinochet, recomendadas por Friedman, tinham provocado uma rápida desindustrialização, multiplicando o desemprego por dez e criando uma explosão de bairros pobres repletos de barracos absolutamente instáveis.

Essas medidas levaram também a uma crise de corrupção e a uma dívida tão grave que, em 1982, Pinochet se viu forçado a demitir os assessores dos Chicago Boys e nacionalizar várias instituições financeiras que tinham sido alvo do processo de desregulamentação (soa familiar?).

Felizmente, os Chicago Boys não conseguiram destruir tudo o que foi construído por Allende. A empresa nacional de cobre, Codelco, continuou nas mãos do Estado, gerando riqueza para os cofres públicos e impedindo que os Chicago Boys mergulhassem a economia chileno em um completo abismo. Tampouco conseguiram destruir o rigoroso código de edificação do Chile, um descuido ideológico pelo qual devemos todos agradecer

sexta-feira, março 19, 2010

As damas de branco

O movimento das damas de branco em Cuba que não foi passado nas televisões brasileiras.
www.youtube.com/cubadebate#p/u/0/qKohmJmix3g

quinta-feira, março 18, 2010

Cuba, Israel e a dupla moral

Breno Altman
Tem sido educativo acompanhar, nos últimos dias, a cobertura internacional dos meios de comunicação, além da atitude de determinadas lideranças e intelectuais. Quem quiser conhecer o caráter e os interesses a que servem alguns atores da vida política e cultural, vale a pena prestar atenção ao noticiário recente sobre Cuba e Israel.
Na semana passada, em função de declarações do presidente Lula defendendo a autodeterminação da Justiça cubana, orquestrou-se vasta campanha de denúncias contra suposto desrespeito aos direitos humanos na ilha caribenha. Mas não há uma só matéria ou discurso relevante, nos veículos mais destacados, sobre como Israel, novo destino do presidente brasileiro, trata seus presos, suas minorias nacionais e seus vizinhos.
Vamos aos fatos. No caso cubano, Orlando Zapata, um pretenso “dissidente” em greve de fome por melhores condições carcerárias, preso e condenado por delitos comuns, foi atendido em um hospital público por ordem do governo, mas não resistiu e veio a falecer. Não há acusação de tortura ou execução extralegal. No máximo, insinuações oposicionistas de que o atendimento teria sido tardio – ainda que se possa imaginar o escândalo que seria fabricado caso o prisioneiro tivesse sido alimentado à força.
Mesmo não havendo qualquer evidência de que a morte do dissidente, lamentada pelo próprio presidente Raúl Castro, tenha sido provocada por ação do Estado, os principais meios e agências noticiosas lançaram-se contra Cuba com a faca na boca. Logo a seguir o Parlamento Europeu e o governo norte-americano ameaçaram o país com novas sanções econômicas.
Indústria do martírio
Outro oposicionista, Guilherme Fariñas, com biografia na qual se combinam muitos atos criminosos e alguma militância anticomunista, aproveitou o momento de comoção para também declarar-se em jejum. Apareceu esquálido em fotos que rodaram o mundo, protestando contra a situação nos presídios cubanos e reivindicando a libertação de eventuais presos políticos. Rapidamente se transformou em figura de proa da indústria do martírio mobilizada pelos inimigos da revolução cubana a cada tanto.
O governo ofereceu-lhe licença para emigrar a Espanha e lá se recuperar, mas Fariñas, que não está preso e faz sua greve de fome em casa, recusou a oferta. Seus apoiadores, cientes de que a constituição cubana determina plena liberdade individual para se fazer ou não determinado tratamento médico, o incentivam para avançar em sacrifício, pois não será atendido pela força até que seu colapso torne imperativa a internação hospitalar. Aliás, para os propósitos oposicionistas, de que grande coisa lhes valeria Fariñas vivo?
O presidente Lula tornou público, a seu modo, desacordo com a chantagem movida contra o governo cubano. Talvez fosse outra sua atitude, mesmo que discreta, se houvesse evidência de que a situação de Zapata ou Fariñas tivesse sido provocada por ato desumano ou arbitrário de autoridades governamentais. Para ir ao mérito do problema, comparou a atitude dos dissidentes com rebelião hipotética de bandidos comuns brasileiros. Afinal, ninguém pode ser considerado inocente ou injustiçado porque assim se declara ou resolva se afirmar vítima através de gestos dramáticos.
O silêncio da mídia
Sem provas bastante concretas que um governo constitucional feriu leis internacionais, é razoável que o presidente de outro país oriente seus movimentos pela autodeterminação das nações na gestão de seus assuntos internos. O presidente brasileiro agiu com essa mesma cautela em relação a Israel, país ao qual chegou no último dia 14, apesar da abundância de provas que comprometem os sionistas com violação de direitos humanos.
Mas as palavras de Lula em relação a Cuba e seu silêncio sobre o governo israelense foram tratados de forma bastante diversa. No primeiro caso, os apóstolos da democracia ocidental não perdoaram recusa do mandatário brasileiro em se juntar à ofensiva contra Havana e em legitimar o uso dos direitos humanos como arma contra um país soberano. No segundo, aceitaram obsequiosamente o silêncio presidencial.
A bem da verdade, não foram apenas articulistas e políticos de direita que tiveram esse comportamento dúplice. Do mesmo modo agiram alguns parlamentares e blogueiros tidos como progressistas, porém temerosos de enfrentar o poderoso monopólio da mídia e ávidos por pagar o pedágio da demagogia no caminho para o sucesso, ainda que ao custo de abandonar qualquer pensamento crítico sobre os fatos em questão.
Um observador isento facilmente se daria conta de que, ao contrário dos eventos em Cuba, nos quais o desfecho fatal foi produto de decisões individuais das próprias vítimas, os pertinentes a Israel correspondem a uma política deliberada por suas instituições dirigentes.
Sionismo e direitos humanos
A nação sionista é um dos países com maior número de presos políticos no mundo, cerca de 11 mil detentos, incluindo crianças, a maioria sem julgamento. Mais de 800 mil palestinos foram aprisionados desde 1948. Aproximadamente 25% dos palestinos que permaneceram em territórios ocupados pelo exército israelense foram aprisionados em algum momento. As detenções atingiram também autoridades palestinas: 39 deputados e 9 ministros foram sequestrados desde junho de 2006.
Naquele país a tortura foi legitimada por uma decisão da Corte Suprema, que autorizou a utilização de “táticas dolorosas para interrogatório de presos sob custódia do governo”. Nada parecido é sequer insinuado contra Cuba, mesmo por organizações que não guardam a mínima simpatia por seu regime político.
Mas o desrespeito aos direitos humanos não se limita ao tema carcerário, que é apenas parte da política de agressão contra o povo palestino. A resolução 181 das Nações Unidas, que criou o Estado de Israel em 1947, previa que a nova nação deteria 56% dos territórios da colonização inglesa na margem ocidental do rio Jordão, enquanto os demais 44% ficariam para a construção de um Estado do povo palestino, que antes da decisão ocupava 98% da área partilhada. O regime sionista, violador contumaz das leis e acordos internacionais, hoje controla mais de 78% do antigo mandato britânico, excluída a porção ocupada pela Jordânia.
Mais de 750 mil palestinos foram expulsos de seu país desde então. Israel demoliu número superior a 20 mil casas de cidadãos não judeus apenas entre 1967 e 2009. Construiu, a partir de 2004, um muro com 700 quilômetros de extensão, que isolou 160 mil famílias palestinas, colocando as mãos em 85% dos recursos hídricos das áreas que compõem a atual Autoridade Palestina.
Pelo menos seiscentos postos de verificação foram impostos pelo exército israelense dentro das cidades palestinas. Leis aprovadas pelo parlamento sionista impedem a reunificação de famílias que habitem diferentes municípios, além de estimular a criação de colônias judaicas além das fronteiras internacionalmente reconhecidas.
Dupla moral
São, essas, algumas das características que conformam o sistema sionista de apartheid, no qual os direitos de soberania do povo palestino estão circunscritos a verdadeiros bantustões, como na velha e racista África do Sul. O corolário desse cenário é uma escalada repressiva cada vez mais brutal, patrocinada como política de Estado.
Mas os principais meios de comunicação, sobre esses fatos, se calam. Também mudos ficam os líderes políticos conservadores. Nada se ouve tampouco de alguns personagens presumidamente progressistas, sempre tão céleres quando se trata de apontar o dedo acusador contra a revolução cubana.
Talvez porque direitos humanos, a essa gente de dupla moral, só provoquem indignação quando seu suposto desrespeito se volta contra vozes da civilização judaico-cristã, da democracia liberal, do livre mercado, do anticomunismo. Não foi sem razão que o presidente Lula reagiu vigorosamente contra o cinismo dos ataques ao governo de Havana.

quarta-feira, março 17, 2010

Gafe de Lula ?

O jornalismo de programa entrou em ação: censurou os elogios do presidente israelense a Lula, dando destaque a uma suposta gafe, uma recusa inusitada a um ato supostamente protocolar.

Gilson Caroni Filho

O “incidente diplomático” provocado pela decisão da delegação brasileira de não incluir na agenda do presidente Lula uma visita ao túmulo do criador do movimento sionista precisa ser visto na exata dimensão de seu significado político. E não há dúvidas quanto ao acerto da recusa a um convite feito de última hora. Afinal, o que propõe o sionismo e quais suas implicações para a paz na região conflagrada? Haveria compatibilidade entre a carga simbólica do evento e uma posterior encontro com autoridades palestinas?. O jornalismo de programa entrou em ação: censurou os elogios do presidente israelense a Lula, dando destaque a uma suposta gafe, uma recusa inusitada a um ato supostamente protocolar. Comprou a descortesia da extrema-direita de Israel como justa indignação frente a uma diplomacia desastrada. A operação " tempestade no cerrado", denunciada pelo jornalista Mauro Carrara, desconhece fronteiras e senso de medida.

Como já registrei, em artigo escrito com o economista Carlos Eduardo Martins, a incompatibilidade entre sionismo e diálogo democrático não é um dado conjuntural, mas fato de origem. A premissa de Theodor Herzl é que os judeus não podem se fiar na “opinião pública mundial” ou na “comunidade das nações”, que sempre assistiram impassíveis às incontáveis perseguições sofridas pelo seu povo através dos séculos. Os judeus teriam que assegurar sua sobrevivência, como povo e como indivíduos, por seus próprios meios. O que só seria possível com o estabelecimento de seu Estado nacional soberano, para o que Herzl indica a Palestina (então sob domínio turco), local do último Reino de Israel.

É bom lembrar que Herzl foi um ativo militante do movimento sionista na Europa, além de conduzir negociações com a Turquia e o Egito. A ideologia territoralista é excludente. Em momento algum ela advoga pública e explicitamente o extermínio ou a expulsão violenta dos palestinos não-judeus. Mas deixa claro, em seus diários, que eles deveriam ser “persuadidos a se retirarem” por meios econômicos, como o confisco de suas terras e outras propriedades, e a recusa em lhes dar emprego. Ou seja, em instância final, Israel deveria ser o lar exclusivamente dos judeus –e inclusiva e idealmente de todos os judeus do mundo, que só ali teriam assegurada sua sobrevivência.

Herzl tampouco define fronteiras específicas para o Estado judeu, referindo-se genericamente à “Palestina”. Mas, da mesma forma, antevê o caráter necessariamente expansionista de tal Estado, até mesmo para acomodar a desejada imigração em massa. É significativo que, nos documentos oficiais do governo Israelense, o território de Israel englobe hoje toda a Palestina, Gaza, Cisjordânia e Golan incluídas.

Embora haja quem afirme que “a origem do Estado de Israel não está na religião”, é óbvio que as propostas de Herzl estão imbuídas da visão toráica de “povo escolhido” (à exclusão de todos os demais) e de “destino manifesto” – de resto não diferentes da professada pelos proponentes do PNAC, Plano para um Novo Século Americano, que norteou o “bushismo” nos Estados Unidos – a começar pela escolha da “Terra Prometida” para lar do Estado de Israel.

Mas o discurso herzliano parece totalmente laico (o que foi desprezado pela “esquerda sionista”, que acedeu em criar Israel como um Estado confessional, vide a Estrela de David em sua bandeira). E seus objetivos, estritamente materiais: terra e poder. Quer seu criador estivesse consciente delas ou não, as implicações da ideologia sionista são inescapáveis. E o jornalista inglês Daniel Finkelstein as explicita: “Assim, quando se pede a Israel que respeite a opinião mundial e confie na comunidade internacional, não se está compreendendo o ponto fundamental. A própria idéia de Israel é uma rejeição dessa opção. Israel só existe porque os judeus não se sentem seguros como tutelados da opinião mundial.”

Daí se depreende inevitavelmente que quaisquer “negociações” ou “acordos” não têm valor para Israel, que os usará, se conveniente, assim como os ignorará se e quando, a seu exclusivo juízo, forem necessários para sua segurança. Finkelstein continua sua explanação sem se dar conta de que explicita o que a propaganda sionista tenta ocultar: “Israel entregará suas armas quando os judeus estiverem em segurança, mas não o fará enquanto não estiverem.” E só a Israel compete dizer se a “segurança” foi alcançada ou não, bem como até onde o Grande Israel terá que se estender até então.

Mas o sionismo não recorreu à comunidade internacional, representada pela ONU, para formalizar a partilha da Palestina e a criação do Estado de Israel? Sim, mas por mero oportunismo, valendo-se da “consciência culpada” dos gentios face ao Holocausto e explorando as tensões geopolíticas entre as antigas potências coloniais européias, Inglaterra (já detentora do “mandato palestino”) e França à frente, Estados Unidos e União Soviética, além da divisão entre os países árabes. E só o fez por constatar que o caminho da violência e do terrorismo não levaria à consecução de seus objetivos.

Portanto, por sua própria origem e seu cerne ideológico, o Estado de Israel se definiu como uma nação que despreza a opinião mundial, não reconhece a comunidade internacional e ignora quaisquer decisões colegiadas que não lhe pareçam convenientes. A "gafe" de Lula demonstra uma inequívoca compreensão do tabuleiro geopolítico do Oriente Médio. Que outras sejam cometidas.

segunda-feira, março 15, 2010

O Brasil pisou na bola em Honduras ?

Breno Altman

A normalização das relações com o governo hondurenho de Porfírio Lobo, decidida pelos Estados Unidos e a União Européia nos últimos dias, recoloca em discussão a abordagem brasileira sobre o golpe de Estado naquela república centro-americana e seus desdobramentos depois da eleição e posse do novo presidente.

Um sem-número de articulistas e porta-vozes dos círculos oposicionistas têm se esforçado para demonstrar suposto fracasso da política externa da administração Lula nesse episódio. Alguns argumentos se sobressaem.

O primeiro deles é aristotélico: a posição de Brasília estaria equivocada porque deu errado. Afinal, os golpistas chefiados por Roberto Micheletti impediram o retorno do presidente deposto, Manuel Zelaya, e conseguiram promover, pela via eleitoral, a emergência de um novo governo institucional.

O segundo entre os argumentos mais frequentes é revelador das entranhas de seus porta-vozes, pois justifica, com maior ou menor sutileza, o golpe cívico-militar que derrubou o presidente constitucional. Tratam o que se passou como resposta constrangedora, mas aceitável, às tentativas de Zelaya para alterar, por referendo popular, as travas que impediam sua reeleição.

Algo como disse o ministro do STF brasileiro, Marco Aurélio Mello, quando recentemente se referiu ao pronunciamento militar que, em 1964, derrubou o presidente João Goulart: um "mal necessário". Às favas se essa pretensa necessidade conduz à violação de direitos constitucionais e fere a soberania popular.

Oportunismo da "diplomacia de resultados"

O fato é que, na vida ou na política, nem sempre o que dá certo, certo está. Não passa de oportunismo desavergonhado o raciocínio que estabelece como critério absoluto para julgamento de uma determinada posição, seu grau de sucesso. Há batalhas que devem ser travadas mesmo quando seus resultados, em um primeiro momento, são pouco animadores.

Assim procedeu o governo brasileiro no caso hondurenho, ao lado de outras nações. A omissão ou a hesitação, em nome do realismo aconselhado por alguns personagens, significariam a mais abjeta cumplicidade. Mais ainda: facilitariam os movimentos de quem propugna pela estratégia do "mal necessário" no enfrentamento às forças progressistas.

Trata-se de ignorância ou má fé abordar o golpe em Honduras como fato isolado. Com menos sofisticação institucional e derrotado por intensa mobilização, dentro e fora do país, houve o precedente venezuelano em 2002, quando o bloco conservador quis derrubar pelas armas o presidente Hugo Chávez.

A Casa Branca, daquela vez, não fez qualquer cerimônia ou jogo de cena para disfarçar seu apoio ao golpismo. Declarou de imediato, sempre em nome da democracia e da liberdade, alinhamento à ruptura da ordem constitucional.

O governo norte-americano, desta feita, foi bastante mais cuidadoso. Chegou até mesmo a adotar medidas contra o governo ilegal de Micheletti. Mas manobrou com habilidade para que a saída à crise fosse a institucionalização do regime de força e não a restauração da situação constitucional.

A posição brasileira

O governo brasileiro, diante desse quadro, adotou uma atitude de princípio: a condenação do golpe e a denúncia de qualquer encaminhamento originado à margem das regras democráticas. Acabou prevalecendo a solução firmada entre golpistas e seus adversários mais complacentes. A conduta do presidente Lula, no entanto, demarcou trincheiras estratégicas.

A primeira delas foi fixar que as correntes e administrações progressistas assumem a defesa da democracia às últimas consequências, ainda que em condições adversas. A segunda: os governos de esquerda e centro-esquerda do continente rechaçam a lógica de que conflitos latino-americanos devam ser resolvidos conforme os interesses da geopolítica de Washington. Ambos paradigmas valem o preço de um retrocesso circunstancial.

Não é de se surpreender que as correntes conservadoras vejam isolamento ou falta de realismo na postura do presidente Lula. Assim se conduzem porque sua própria atitude vai se aproximando, mais e mais, do desrespeito à soberania popular e ao primado das instituições democráticas, para não falar da eterna submissão às políticas imperialistas.

Um comportamento amedrontado ou dúbio do governo brasileiro abriria mais espaços de legitimação para a lógica do "mal necessário". A reação destemida e ativa, por outro lado, fincou uma estaca de resistência cuja serventia não tardará a se demonstrar.

sexta-feira, março 12, 2010

Declaração de Cuba

Declaração da Assembléia Nacional do Poder Popular da Repúbica de Cuba
11/03/2010

Após uma campanha concertada por poderosas empresas midiáticas, principalmente da Europa, que atacaram Cuba ferozmente, o Parlamento Europeu acaba de aprovar, após um debate repugnante, uma resolução de condenação, contra o nosso país, que manipula os sentimentos, distorce fatos, contém mentiras e oculta realidades.

A desculpa utilizada foi a morte de um preso, sancionado, primeiro por delito comum e depois manipulado por interesses estadunidenses e a contra-revolução interna, que, por vontade própria, negou-se a ingerir alimentos apesar das advertências e da intervenção dos médicos cubanos especialistas.

Esse fato, lamentável, não pode ser utilizado para condenar Cuba, sob a alegação de que poderia ter evitado uma morte. Se há um campo em nosso país que não tem que se defender com palavras, pois a realidade é irrefutável, é o da luta pela vida dos seres humanos, sejam nascidos em Cuba ou em outros países. Um só exemplo é a presença dos médicos cubanos no Haiti, desde 11 anos antes do terremoto em janeiro, silenciada pela imprensa hegemônica.

Por trás dessa condenação, há um profundo cinismo. Quantas vidas de crianças se perderam nas nações mais pobres por causa da decisão dos países ricos, representados no Parlamento Europeu, de não cumprirem seus compromissos de ajuda ao desenvolvimento. Todos sabiam que era uma sentença de morte em massa, mas optaram por preservar os níveis de gastos excessivos e ostentação de um consumismo largamente suicida.

É também uma ofensa para os cubanos, esta tentativa de nos dar lições quando, na Europa, imigrantes e desempregados estão sendo reprimidos, enquanto aqui, em reuniões de vizinhos nos bairros, o povo propõe seus candidatos para as eleições municipais, livremente e sem intermediários.

Aqueles que participaram ou permitiram o contrabando aéreo de detentos, o estabelecimento de cárceres ilegais e a prática de torturas, não têm moral para avaliar um povo brutalmente agredido e bloqueado.

A explicação de tamanha condenação, tão discriminatória e seletiva, somente pode ser o fracasso de uma política incapaz de pôr de joelhos um povo heróico. Nem a Lei Helms Burton, nem a Posição Comum européia, surgidas no mesmo ano, nas mesmas circunstâncias e com propósitos iguais, ambas lesivas à nossa soberania e dignidade nacionais, têm o menor futuro, pois recusamos a imposição, a intolerância e a pressão como norma nas relações internacionais.

Assembléia Nacional do Poder Popular da República de Cuba.
11 de março de 2010.

Os fariseus e a dignidade

Emir Sader

O que sabem os leitores dos diários brasileiros sobre Cuba? O que sabem os telespectadores brasileiros sobre Cuba? O que sabem os ouvintes de rádio brasileiros sobre Cuba? O que saberia o povo brasileiro sobre Cuba, se dependesse da mídia brasileira?

O que mais os jornalistas da imprensa mercantil adoram é concordar com seus patrões. Podem exorbitar na linguagem, para badalar os que pagam seu salários. Sabem que atacar ao PT é o que mais agrada a seus patrões, porque é quem mais os perturba e os afeta. Vale até dar espaco para qualquer mercenário publicar calúnias contra o Lula, para, depois jogá-lo de volta na lata do lixo.

No circo dessa imprensa recentemente realizado em São Paulo, os relatos dizem que os donos das empresas – Frias, Marinhos – tinham intervenções mais discretas, – ninguem duvida das suas posiçõoes de ultra-direita -, mas seus empregados se exibiam competindo sobre quem fazia a declaração mais extremista, mais retumbante, sabendo que seriam recolhidas pela mídia, mas sobretudo buscando sorrisinho no rosto dos patrões e, quem sabe, uns zerinhos a mais no contracheque no fim do mês.

Quem foi informado pela imprensa que há quase 50 anos Cuba já terminou com o analfabetismo, que mais recentemente, com a participação direta dos seus educadores, o analfabetismo foi erradicado na Venezuela, na Bolívia e no Equador? Que empresa jornalística noiticiou? Quais mandaram repórteres para saber como países pobres ou menos desenvolvidos conseguiram o que mais desenvolvidos como os EUA ou mesmo o Brasil, a Argentina, o México, náo conseguiram?

Mandaram repórteres saber como funciona naquela ilha do Caribe, pouco desenvolvida economicamente, o sistema educacional e de saúde universal e gratuito para todos? Se perguntaram sobre a comparação feita por Michael Moore no seu filme "Sicko" sobre os sistemas de saúde – em particular o brutalmente mercantilizado dos EUA e o público e gratuito de Cuba?

Essas empresas privadas da mídia fizeram reportagens sobre a Escola Latinoamericana de Medicina que, em Cuba, já formou mais de cinco gerações de médicos de todos os países da América Latina e inclusive dos EUA, gratuitamente, na melhor medicina social do mundo? Foi despertada a curiosidade de algum jornalista, econômico, educativo ou não, sobre o fato de que Cuba, passando por grandes dificuldades econômicas – como suas empresas não deixam de noticiar – não fechou nenhuma vaga nem nas suas escolas tradicionais, nem na Escola Latinoamericana de Medicina, nem fechou nenhum leito em hospitais?

Se dependesse dessas empresas, se trataria de um regime “decrépito”, governado por dois irmãos há mais de 50 anos, um verdadeiro “goulag tropical”, uma ilha transformada em prisão.

Alguém tentou explicar como é possivel conviver esse tipo de sociedade igualitária com a base naval de Guantánamo? Se noticiam regularmente as barbaridades que ocorrem lá, onde presos sob simples suspeita, são interrogados e torturados – conforme tantas testemunhas que a imprensa se nega em publicar – em condições fora de qualquer jurisdição internacional?

Noticiam que, como disse Raul Castro, sim, se tortura naquela ilha, se prende, se julga e se condena da forma mais arbitrária possível, detidos em masmorras, como animais, mas isso se passa sob responsabilidade norteamericana, desse mesmo governo que protesta por uma greve de fome de uma pessoa que – apesar da ignorância de cronistas da família Frias – não é um preso, mas está livre, na sua casa?

Perguntam-se por que a maior potência imperial do mundo, derrotada por essa pequena ilha, ainda hoje tem um pedaco do seu territorio? Escandalizam-se, dizendo que se “passou dos limites”, quando constatam que isso se dá há mais de um século, sob os olhos complacentes da “comunidade internacional”, modelo de “civilização”, agentes do colonialismo, da escravidão, da pirataria, do imperialismo, das duas grandes guerras mundiais, do fascismo?

Comparam a “indignação” atual dos jornais dos seus patrões com o que disseram ou calaram sobre Abu-Graieb? Sobre os “falsos positivos” (sabem do que se trata?) na Colômbia? Sobre a invasao e os massacres no Panamá, por tropas norteamericanas, que sequestraram e levaram para ser julgado em Miami seu ex-aliado e então presidente eleito do país, Noriega, cujos 30 anos foram completamente desconhecidos pela imprensa? Falam do muro que os EUA construíram na fronteira com o México, onde morre todos os anos mais gente do que em todo tempo de existência do muro de Berlim? A ocupação brutal da Palestina, o cerco que ainda segue a Gaza, é tema de seus espacos jornalisticos ou melhor calar para que os cada vez menos leitores, telespectadores e ouvintes possam se recordar do que realmente é barbarie, mas que cometida pela “civilizada” Israel – que ademais conta com empresas que anunciam regularmente nos orgãos dessas empresas – deve ser escondida? Que protestos fizeram os empregados da empresa que emprestou seus carros para que atuassem os servicos repressivos da ditadura, disfarçaados de jornalistas, para sequestrar, torturar, fuzilar e fazer opositores desaparecerem? Disseram que isso “passou de todos os limites” ou ficaram calados, para não perder seus empregos?

Mas morreu um preso em Cuba. Que horror! Que oportunidade para bajular os seus patrões, mostrando indignação contra um país de esquerda! Que bom poder reafirmar diante deles que se se foi algum dia de esquerda, foi um resfriado, pego por más convivências, em lugares que não frequentam mais; já estão curados, vacinados, nunca mais pegarão esse vírus. (Um empregado da família Frias, casado com uma tucana, orgulha-se de ter ido a todos os Foruns Econômicos de Davos e a nenhum Fórum Social Mundial.
Ali pôde conhecer ricaços e entrevistá-los, antes que estivessem envoldidos em escândalos, quebrassem ou fossem para a prisão. Cada um tem seu gosto, mas não dá para posar como “progressista”, escolhendo Davos a Porto Alegre.)

Não conhecem Cuba, promovem a mentira do silêncio, para poder difamar Cuba. Não dizem o que era na época da ditadura de Batista e em que se transformou hoje. Não dizem que os problemas que têm a ilha é porque não quer fazer o que fez o darling dessa midia, FHC, impondo duro ajuste fiscal para equilibrar as finanças públicas, privatizando, favorecendo o grande capital, financeirizando a economia e o Estado. Cuba busca manter os direitos universais a toda sua população, para o que trata de desenvolver um modelo econômico que não faça com que o povo pague as dificuldades da economia. Mentem silenciando sobre o fato de que, em Cuba, não há ninguem abandonado nas ruas, de que todos podem contar com o apoio do Estado cubano, um Estado que nunca se rendeu ao FMI.

Cuba é a sociedade mais igualitária do mundo, a mais solidária, um país soberano, assediado pelo mais longo bloqueio que a história conheceu, de quase 50 anos, pela maior potência econômica e militar da história. Cuba é vítima privilegiada da imprensa saudosa do Bush, porque se é possivel uma sociedade igualitária, solidária, mesmo que pobre, que maior acusação pode haver contra a sociedade do egoísmo, do consumismo, da mercantilizacao, em que tudo tem preço, tudo se vende, tudo se compra?

Como disse Celso Amorim, o Ministro de Relações Exteriores do Brasil: os que querem contribuir a resolver a situação de Cuba tem uma fórmula muito simples – terminem com o bloqueio contra a ilha. Terminem com Guantanamo como base de terrorismo internacional, terminem com o bloqueio informativo, dêem aos cubanos o mesmo direito que dão diariamente aos opositores ao regime – o do expor o que pensam. Relatem as verdades de Cuba no lugar das mentiras, do silêncio e da covardia.

Diante de situações como essa, a razão e a atualidade de José Martí:

"Há de haver no mundo certa quantidade de decoro,
como há de haver certa quantidade de luz.
Quando há muitos homens sem decoro, há sempre outros
que têm em si o decoro de muitos homens.
Estes são os que se rebelam com força terrível
contra os que roubam aos povos sua liberdade,
que é roubar-lhes seu decoro.
Nesses homens vão milhares de homens,
vai um povo inteiro,
vai a dignidade humana… "

quinta-feira, março 11, 2010

Crítica ao artigo de Clovis Rossi

Carta Maior - 11-03-2010
Na avidez da enxadada em busca de uma minhoca que alimente a anemia eleitoral demotucana, Clóvis Rossi, hoje, na Folha, vai com sede ao pote na crítica a Lula, pelas opiniões relativas a greves de fome em Cuba. Afirma o colunista: ‘não há como discordar do preso político Guillermo Fariñas quando diz que Lula demonstrou seu "comprometimento com a tirania dos Castro’. Mesmo no espaço carimbado da pág 2 da Folha, um pouco mais de rigor jornalístico seria razoável. Vamos lá, Clóvis: Guilhermo Farinas não é preso político, é um dissidente --ressalte-se, tem todo o direito de sê-lo e Carta Maior defende essa prerrogativa; esta é a sua 23º greve de fome; trata-se de um protesto domiciliar, Clóvis; Farinas não está em prisão política alguma, está em sua residência, em Santa Clara, região central de Cuba; tem uma porta-voz, Lisset Zamora, o que indica a existência de um movimento de oposição organizado –repetimos, absolutamente legítimo; Farinas está cercado dos familiares; recebe visitas de médicos, inclusive do Estado cubano; atende a chamadas telefônicas direto de sua casa; dá seguidas entrevistas internacionais a veículos –como a Folha-- interessados, menos, talvez, na causa que ele proclama, e mais na sua utilização para fustigar governos progressistas. Em especial, Clóvis, aqueles que rechaçam o embargo asfixiante imposto pelos EUA contra Cuba, há 47 anos, causando por certo perdas indiretas de milhares de vidas. Esta, sem dúvida, uma ignomínia tolerada pelo filtro complacente que orienta a página 2 da Folha e sua indignação seletiva.

terça-feira, março 09, 2010

Nenhuma delas é cubana !

Marcus Eduardo de Oliveira - Economista e professor universitário. Mestre pela USP em Integração da América Latina e Especialista em Política Internacional

Mesmo para os que são desprovidos de qualquer conotação ideológica ou sectarismo político-partidário, ao desembarcar no aeroporto José Martí, Havana, tem-se, forçosamente, uma primeira impressão social de Cuba. Nas proximidades do aeroporto há um grande cartaz com os seguintes dizeres: "Hoje, 200 milhões de crianças vão dormir nas ruas das grandes cidades do mundo. Nenhuma delas é cubana!".
Em busca da veracidade dessa informação, aquele que se embrenhar na sociedade cubana descobrirá um país corajoso, emblemático e, ao mesmo tempo, carente, sofrível. Assim é Cuba. Um país que, indiscutivelmente, ao longo do século XX, jogou luz no cenário político mundial, ora protagonizando a tomada do poder pela via revolucionária; ora, antes desse acontecimento, servindo de cassino aos magnatas ianques; ora instalando mísseis apontados para os EUA; ora sendo invadida por forças descontentes com o sistema político implantando desde a vitória da revolução. Assim é Cuba, la perla del Caribe, que muitos amam, muitos odeiam, muitos simpatizam e outros tantos hostilizam. Assim é Cuba, de Fidel, Che, Rául, da Revolução, de um povo simples e aguerrido.

Longe de ser um paraíso socialista, Cuba soube se afastar, habilmente, das agruras capitalistas. Seu modelo econômico, mesmo diante das dificuldades obstaculizadas por um embargo econômico que ultrapassa meio século, soube assegurar primeiramente as conquistas sociais; diferentemente de modelos capitalistas que insistem em ignorar o ser humano e centram-se apenas na acumulação de capital. Todavia, nos faltaria espaço aqui para discurtirmos, pormenorizadamente, as diferenças entre esses dois pólos (capitalismo x socialismo). Não é esse o fito deste artigo. O que aqui se pretende é tão somente contextualizar a importância de se resgatar certas prédicas. Uma delas é a de que todos são iguais, e os direitos, por consequinte, são para todos: rico ou pobre, branco ou negro, homem ou mulher, capitalista ou socialista. Outra dessas prédicas refere-se ao fato de que a desigualdade - tanto econômica quanto social -, é sempre algo imposto, forçado, nunca é de caráter natural; afinal, ninguém é pobre por que assim deseja ser.

Reza a "cartilha democrática", legada pelos gregos desde priscas eras, que as diferenças devem ser atenuadas. Nesse pormenor, vale lembrar que na tragédia grega "Suplicantes", Eurípedes faz Teseu - lendário rei de Atenas e fundador da democracia -, proclamar que "pobre e rico têm os mesmos direitos. O fraco pode responder ao insulto do forte e o pequeno, caso tenha razão, vencerá o grande".

De tal forma, os que estão do lado da riqueza e, por isso, tiveram a sorte de escapar da pobreza, cabe considerar tal fato não como prêmio, mas sim como responsabilidade para com aqueles que sofrem os dramas da miséria. O que definitivamente falta entender é que o verdadeiro projeto de vida não pode se basear no "ter", mas sim no "ser".

Mesmo sendo considerado um país pobre, no sentido de desenvolvimento econômico, com poucos recursos naturais, é de se enaltecer o tratamento que Cuba dispensa às suas crianças e aos idosos. Assim como é igualmente enobrecedor saber que apenas 2% da população não estão alfabetizadas, visto que desde 1961 a "Campanha Nacional pela Alfabetização" fez triunfar nos rincões cubanos o direito a todo e qualquer cidadão/cidadã de saber ler, escrever e entender as básicas noções do aprendizado.

Diante disso, talvez o ser humano possa refletir que para triunfar na vida, as vezes não é tão importante chegar em primeiro. Para triunfar é necessário simplesmente chegar, levantando-se do chão cada vez que se cai pelo caminho. Ao longo dos últimos 50 anos vários foram os "tombos" tomados por Cuba, mas em todas essas ocasiões, esse país soube se levantar.

Se, de um lado somos sabedores que a força econômica produziu os primeiros escravos, e a escravidão, ao degradar suas vítimas, perpetuou a servidão, sabemos, do outro lado, que para tratar bem as crianças e os idosos não precisa ser rico, basta ter compromisso com a dignidade. Isso Cuba sabe fazer muito bem.

segunda-feira, março 08, 2010

Por que o discurso neotucano de FHC não tem nexo

É curioso o artigo de FHC no Estadão. Achava besta a crítica que se fazia a ele com aquele “esqueçam o que escrevi”. Quem não muda suas ideias, para um mundo em constante mudanças, é poste. O verdadeiro intelectual sabe observar a mudança dos ventos. Os melhores conseguem antever. Os medíocres repetem mantras que funcionaram por algum tempo e se tornaram obsoletas.

Luis Nassif

Mas o artigo de hoje é “esqueçam tudo o que defendi e fiz”, porque não deu certo.

Repete a lógica do discurso de Serra, de ler o Brasil por inteiro, das diretas até hoje. Depois avança em críticas pontuais que demonstram ou desconhecimento da realidade econômica do país – aliás, postura usual quando era presidente – ou desconhecimento dos princípios que nortearam seu governo. Se a ideia é analisar 25 anos de país, onde entra seu governo, que exacerbou todos os problemas que ele aponta em seu artigo?

Ele critica – com razão – a deterioração do balanço de pagamentos. No plano Real, essa deterioração foi intencional, visando transferir o controle da política econômica para os detentores de fundos externos. Critica – com razão – a criação de supergrupos nacionais. Mas foi no seu governo – com a escandalosa fusão da Brahma e da Antárctica – que se deu início a esse processo.

Um dos erros monumentais do governo FHC foi ter induzido a uma conglomerização da economia que destruiu cadeias produtivas inteiras. O próprio modelo de privatização das telecomunicações nem pensou em preservar as pesquisas e a cadeia de fornecedores nacionais.

Depois, cobra eficiência no programa energético, especificamente no biodiesel. Ei, em que planeta vive FHC? Seu governo abandonou os investimentos em hidrelétricas, deixou de lado a bioenergia, focou exclusivamente em termoelétricas que se mostraram incapazes de atender à demanda. Há uma matriz energética complexa, que tem sido enriquecida pelo gás, pelas energias alternativas (que saltaram de 0,5% para 6% da matriz).

O biodiesel tem avançado, sim. Por ser experiência pioneira, com agricultura familiar e com produtos ainda em teste, há cabeçadas. Mas existem usinas funcionando perfeitamente, erros identificados e o programa avançando. Mesmo que não avançasse a contento, é uma gota dentro da matriz energética brasileira.

Defende – com razão – a melhoria da qualidade dos serviços públicos. Mas foi incapaz sequer de entender programas básicos de gestão. Não deu continuidade a nenhum programa de gestão nascido no seu governo.

Critica o pré-sal pelo fato de não se discutir a busca de tecnologia adequada. Mas é criticar por criticar. Há o envolvimento da Petrobras com dezenas de instituições de pesquisas, avançando em todas as áreas, da prospecção em águas profundas a novos materiais.

O curioso é tentar recuperar o ideario inicial do PSDB, de uma visão não ideológica sobre o Estado e sobre as estatais. Prezado presidente, esse ideario está morto e enterrado no PSDB. E quem o matou foi o senhor. “Perdemos tempo com uma discussão bizantina sobre o tamanho do Estado ou sobre a superioridade das empresas estatais em relação às empresas privadas, ou vice-versa. Ninguém propõe um “Estado mínimo’, muito menos o PSDB”.

Ora, vá contar isso para esse exército radical e primário da mídia, para quem o PSDB terceirizou o discurso político e econômico. Como guru maior desse grupo, FHC permitiu até à exaustão o discurso emburrecedor de que tudo o que vem do Estado é ruim. Como tornou-se inócuo, atropelado pela crise, agora quer mudar. Não vai recuperar o discurso nem a respeitabilidade intelectual.

Esse é o problema de FHC e de Serra. Os grandes comandantes, os formuladores, os estadistas defendem ideias que consideram corretas e esquecem o modismo do dia-a-dia. Quando as ideias defendidas entram na moda, eles são os vitoriosos. A dupla FHC-Serra conseguiu, ao longo dessa década, destruir o discurso do PSDB, misturá-lo com o neoliberalismo radical do mercado, do DEM. Agora querem um reaggionamento? Não é sério.

E começa esse artigo insosso com um título que poderia ser chamativo, mas é apelo desanimado: “A hora é agora”.

domingo, março 07, 2010

Depois do fracasso, liberais atacam "estado mínimo"

Luiz Carlos Azenha

Santiago -- O retumbante fracasso do governo Bachelet na resposta ao terremoto da semana passada levou a uma situação curiosa, no Chile: os liberais agora atacam o estado mínimo, do qual o país sempre foi um exemplo cantado em prosa e verso.

Quanto ao fracasso, foi espetacular e, para mim, revelador.

Espetacular porque houve um completo fracasso nas comunicações intragovernamentais do país. Houve um estrondoso bate-cabeças que mediu 8.5 na escala Richter. Ficou claro que a fiscalização das obras é ineficaz, pelo grande número de prédios novos que veio abaixo. Os acréscimos não previstos na legislação da construção civil cairam em toda parte: tetos de gesso, passarelas e outros penduricalhos. Sem falar no completo despreparo para dar à população o mínimo atendimento que se requer em situações de emergência. A patética tentativa da presidente Bachelet de jogar a culpa nos vândalos me fez lembrar de José Serra e Gilberto Kassab nas enchentes paulistanas: a culpa é da população e do "dilúvio" propagandeado nas inserções televisivas do DEM.

Revelador porque, depois de passar uma semana no Chile, em contato com a população, me surpreendi com a crítica generalizada à mídia, que é acusada de mentir e de esconder a verdade sempre que interessa aos poderosos. Quando a mídia daqui propagandeava as ações do governo, boa parte do país ainda estava sem água, sem energia e sem comida. Algum marqueteiro esperto logo inventou uma campanha nacionalista e oportunista, destinada a, como sempre, mudar de assunto e evitar a responsabilização de governantes incompetentes e falastrões.

Aqui pouco se falou, por exemplo, no fato de que o toque de recolher em várias regiões foi, como sempre, uma forma de conter os pobres. O mesmo estado que não conseguiu levar água e comida despachou milhares de soldados para reprimir saques que não teriam acontecido se o mesmo estado tivesse conseguido levar água e comida antes que os soldados.

Lembram-se dos invisíveis cuja existência foi revelada pelo Katrina em New Orleans? Desta vez, foram os invisíveis chilenos que mostraram o rosto.

Ninguém pode acusar o jornal Mercurio de ser socialista. Trata-se, afinal, do mesmo jornal que recebeu dinheiro da CIA para promover uma campanha de propaganda contra Salvador Allende. Curiosamente, no entanto, coube ao jornal o papel de sintetizar o que ouvi de muitos chilenos e que, com raríssimas exceções, está ausente do discurso midiático aqui: o estado chileno fracassou de forma completa e retumbante. E com requintes de crueldade, já que anunciou oficialmente que não havia risco de tsunami na costa do país alguns minutos DEPOIS da primeira de três grandes ondas ter atingido a costa.

"Estes fatos deixaram inocultavelmente a nu as enormes deficiências de nosso Estado, muitas vezes escondidas por indicadores internacionais muito imperfeitos que o avaliam satisfatoriamente", escreveu o jornal em editorial.

A vitrine em que o Chile era a jóia dos neoliberais rachou, embora eu duvide que eles pretendam fazer mea culpa aumentando a capacitação, a formação e os salários do funcionalismo e os gastos públicos com políticas sociais e infraestrutura para os que hoje saqueiam. Aí já seria "estado demais".

sábado, março 06, 2010

Conflito nos Andes

Mauro Santayana

Nada nos poderá dizer Uribe que não saibamos. Ele pertence a uma oligarquia de brancos de origem europeia, que gostariam de transformar a Colômbia em estado associado norte-americano, como é Porto Rico. Não entendem esses grandes senhores que Porto Rico é uma ilha, como também o Havaí, e que o destino da Colômbia está ligado ao futuro da América do Sul, a que pertence, na história e na geografia.

A imprensa colombiana defende o presidente Uribe, afirmando que Chávez quer instalar bases russas na Venezuela. O Brasil, em razão de sua história, se opõe à presença de tropas norte-americanas em sua vizinhança e não deve aceitar as russas. Amanhã ou depois, a China talvez queira ter também suas forças no continente.

O Brasil tem toda autoridade para essa postura. Quando, na luta contra o Eixo, cedemos a projeção oriental sobre o Atlântico aos Estados Unidos, para a base de Natal, deixamos estabelecido que essa presença seria temporária, enquanto durasse a guerra. Logo depois do armistício, o governo de Truman quis negociar o arrendamento da área e a permanência das bases – já na previsão de confronto com os soviéticos. Vargas não aceitou discutir o assunto – e os americanos se foram. Durante toda a história, só sofremos, na primeira fase da guerra da Tríplice Aliança, a presença de tropas inimigas na margem esquerda do Rio Paraguai. Logo que nos foi possível, as expulsamos dali. O Brasil não admite outra bandeira sobre seu território.

O presidente Lula declarou que não podemos impedir que a Colômbia faça o que quiser em seu país. Trata-se de seu direito soberano, até mesmo, se assim o desejar, de transformar-se, de jure, em protetorado de Washington – o que já é de fato. Mas é preciso que nos reservemos o direito de tomar todas as medidas, a fim de impedir a violação de nossas fronteiras, incluídas as que se situam no espaço aéreo. Ao que se sabe, essa posição será reafirmada, com firmeza, na conversa de hoje com Uribe. Convém levar o mesmo statement ao governo de Alan Garcia. O presidente do Peru apoiou o seu colega colombiano, em termos mais do que elogiosos. É provável que o Peru de Garcia seja também candidato a acolher ianques armados em seu solo. Não façam de seu território uma plataforma para a violação da soberania dos outros países da América do Sul. E se enganam, se imaginam que podem dividir os nossos povos. Os governos são temporários, mas é imanente a consciência de que devemos continuar a construir a unidade de nossa pátria grande, da qual sejam cidadãos de pleno direito os ameríndios e os descendentes de europeus, asiáticos e africanos, que aqui aportaram nos últimos cinco séculos.

Não temos por que tomar partido no confronto verbal entre Bogotá e Caracas, mas isso não nos impede de identificar os interesses estrangeiros que se encontram por detrás dos incidentes registrados. Há sempre os que acendem o forno alheio, a fim de assar seu pão. Temos, mais do que o direito, o dever da franqueza na conversa com os vizinhos. Não somos senhores de suas portas, que podem abrir-se aos hóspedes que escolherem. Temos, porém, o dever de lhes dizer que nos incomodam quando oferecem sua casa a hóspedes que pretendem nos bisbilhotar com binóculos eletrônicos, ou cavar trincheiras junto à cerca.

Foram interesses estranhos, ligados à exploração dos recursos naturais do continente, que promoveram, no século 19, a Guerra do Pacífico, entre o Chile e o Peru, com consequências penosas para a Bolívia – que perdeu seu acesso ao mar. Naquele tempo, tratava-se da riqueza em fosfato do guano do litoral e das ilhas próximas, utilizado como fertilizante na Europa: um conflito pelo excremento de aves. No século 20, houve a Guerra do Chaco, pelo petróleo da região – e mais uma vez com o sacrifício maior dos bolivianos. É normal que Evo Morales seja definitivo na objeção à presença de tropas norte-americanas em nossas cercanias. O Barão do Rio Branco nos livrou de uma guerra com a Bolívia, no caso do Acre, e de lesão de nossa soberania no Pantanal, no caso da Colônia do Descalvado, que provavelmente nos exigiriam penosos sacrifícios para a libertação do solo pátrio. Em todos esses casos, foram os estranhos, americanos e europeus, a fomentar a discórdia, a fim de apoderar-se dos despojos.

Não aceitamos assistir, depois das guerras do Pacífico e do Chaco, a um conflito nos Andes setentrionais – e menos ainda com a presença de tropas de fora.

quarta-feira, março 03, 2010

Honduras: o golpe de Estado perfeito

“Os hondurenhos assistiram no dia 27 de janeiro ao último capítulo de um golpe de Estado perfeito”. Foi assim que o enviado especial do periódico espanhol El País em Honduras resumiu a posse do novo presidente.

Larissa Ramina

“Os hondurenhos assistiram no dia 27 de janeiro ao último capítulo de um golpe de Estado perfeito”. Foi assim que o enviado especial do periódico espanhol El País em Honduras resumiu a posse do novo presidente. Os fatos falam por si: Porfirio Pepe Lobo assumiu a presidência, enquanto Manuel Zelaya partiu para o exílio e o usurpador do poder Roberto Micheletti foi nomeado deputado vitalício pelo Congresso e, assim como os militares, foi anistiado.

O presidente Manuel Zelaya, escorraçado por um golpe militar em junho de 2009 e trancado durante 129 dias na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, deixou seu país em direção à República Dominicana. Nada bastou para aplacar a crise: nem as negociações da OEA, nem a mediação do presidente costarriquenho Oscar Arias, nem a posição firme da diplomacia brasileira, nem o isolamento internacional. Zelaya, eleito democraticamente em 2005, acabou aceitando o exílio após uma batalha infrutífera de longos meses para recuperar a presidência de Honduras. Ao mesmo tempo, o novo presidente, que enfrentou em 29 de novembro eleições boicotadas pelos partidários do presidente deposto, bem como denúncias de fraudes, assumiu as rédeas do país para protagonizar o fechamento do golpe, sob o falacioso argumento do “fato consumado”.

A partida de Zelaya já era esperada, pois Pepe Lobo havia prometido um salvo-conduto para o presidente e sua família. Micheletti poderá, finalmente, considerar-se um vitorioso. Conseguiu dar cabo da democracia em Honduras, livrar-se definitivamente de Zelaya, empossar um novo presidente como se nada tivesse acontecido, e ainda ser declarado deputado vitalício. Venceu a queda de braço com a comunidade internacional, que se posicionou contra o golpe, cortou ajuda financeira e rompeu relações diplomáticas. A imagem de Porfirio Lobo, tomando posse como presidente ao lado de Romeo Vásquez, o recém-anistiado general envolvido no golpe, retrata o desfecho perfeito.

Não obstante, a tarefa de Pepe Lobo, representante da oligarquia hondurenha, não será fácil. O novo presidente terá que enfrentar o desafio de governar um país profundamente dividido politicamente e isolado internacionalmente. Zelaya foi destituído do poder em razão de seu distanciamento com a oligarquia. Num país onde os dois grandes partidos só se distinguem pela cor de seus emblemas, a cooperação com Cuba nas áreas de saúde e educação, e com a Venezuela nas áreas agrícola e energética, não pôde ser tolerada. Após uma espécie de conversão rumo a direções opostas ao neoliberalismo, obteve apoio de amplos setores do movimento popular hondurenho, que resistirão ao novo governo.
Por outro lado, a anistia recém-votada pelo Congresso para beneficiar todos os implicados no ocorrido não vai melhorar a imagem das novas autoridades, ainda que sob o manto do “princípio da reconciliação” argüido por Pepe, e a promessa de um governo de união nacional. Para coroar a situação, o golpe levou o país, um dos mais pobres do subcontinente, ao colapso econômico.

O isolamento internacional ficou comprovado na cerimônia de posse, que contou com a presença de meros três chefes de Estado – Taiwan, Panamá e República Dominicana, neste caso em virtude do interesse em retirar Zelaya do país. Isso demonstra que o reconhecimento da comunidade internacional não deverá ser desafio menor, em se tratando de um governo que simboliza a mais flagrante continuidade de um golpe de Estado.

terça-feira, março 02, 2010

Frase

“Em uma fortaleza sitiada, toda dissidência é traição” (Santo Inácio de Loyola).

Frase

"O capitalismo é um sistema que cria ilhas de opulência cercadas de miséria por todos os lados." (Frei Betto)