domingo, fevereiro 28, 2010

Uma estranha coincidência

Antonio Capistrano

A morte do dissidente cubano, Orlando Zapata Tamayo, um dia antes da chagada do presidente Lula a Cuba, a pequena e aprazível ilha caribenha, foi no mínimo uma estranha coincidência. Quem conhece as artimanhas da CIA e dos grupos anticastristas ficou de orelha em pé. Todos sabem e, o próprio governo cubano confirma que em Cuba não existe, o que chamamos aqui de “liberdade” de imprensa.

Em 51 anos de revolução, tampouco se constatou um único levante popular contra o regime.
Um país sitiado, que sofre uma permanente ameaça de invasão pela maior potência militar do mundo, não pode e nem deve abrir as suas portas ao inimigo, isso é elementar na política de defesa de qualquer nação. O governo cubano nunca negou as limitações existentes no país com relação às liberdades individuais. A democracia cubana é coletiva e não individualista. O governo cubano luta para oferecer ao seu povo o socialismo pleno, mas, até o momento os Estados Unidos tem conseguido impedir a concretização da utopia socialista, que é a democracia plena, democracia para todos.

Desde 1962, Cuba vive em um permanente estado de guerra, sendo ameaçado de invasão pelos os Estados Unidos e, sofrendo constantemente atentados terroristas financiados pela CIA e executados por cubanos que estão acantonados em Miami e, os dissidentes do regime que moram no país. Falando sobre dissidentes políticos, sempre gosto de citar uma máxima de Santo Inácio de Loyola, onde ele diz: “Em uma fortaleza sitiada, toda dissidência é traição”. É o caso cubano.

É notório que Cuba, com o fim da União Soviética e dos paises socialistas do leste europeu, sofreu, nos anos 90 do século passado, uma das maiores crises da sua história. Eu pessoalmente imaginei que o regime não suportaria a pressão, mas, suportou e superou aquele momento de crise aguda com muita dignidade.

Só um povo com alto grau de consciência política e de sentimento nacionalista suporta as dificuldades que o povo cubano enfrentou e, ainda enfrenta. O povo cubano tem estas duas características: sentimento nacionalista e consciência política. Basta ler a história de Cuba ou ler o seu maior pensador, José Martí, para constata isso.

Na época dos países socialistas do leste europeu, mesmo sofrendo um cruel e imoral bloqueio econômico, o governo cubano tinha um relacionamento internacional que lhe permitia oferecer ao seu povo as conquistas da Revolução sem maiores atropelos, além do abastecimento, saúde, educação esporte e lazer, para todos.

Cuba é um país que tem poucos recursos naturais, depende da importação de petróleo e isso dificulta o seu desenvolvimento. O fim da União Soviética foi um duro golpe. A URSS abastecia o país com petróleo. A percepção estratégica de Fidel, sua popularidade e o sentimento nacionalista do povo cubano, permitiram que o país supera-se a crise e inicia-se uma nova etapa da sua Revolução Socialista.

Apesar de todas as ameaças, Cuba ultrapassou a crise dos anos 90 e conseguiu alcançar, sem perder a sua dignidade e a autodeterminação do seu povo, os novos tempos que a América Latina está vivendo. Claro que em Cuba têm dissidentes, o governo cubano tem uma forte oposição, financiada pela CIA e a Máfia de Miami.

O jornalista Ignácio Ramonet, no seu excelente livro “Fidel Castro: biografia a duas vozes”, editora Boitempo – 2006, na página 19, falando sobre os relatórios da Anistia Internacional, que tratam sobre as liberdades em Cuba, diz: “os relatórios anuais da Anistia Internacional criticam a atitude das autoridades cubana em matéria de liberdades individuais (liberdade de expressão, liberdade de opinião, liberdades políticas) e recordam que, em Cuba, há dezenas de “presos políticos”. Esses relatórios críticos da Anistia não constatam, no entanto, casos de tortura física em Cuba, de “desaparecimentos”, de assassinatos políticos ou de manifestações reprimidas com violência pela força pública.

Tampouco se constatou um único levante popular contra o regime. Nem mesmo um caso em 51 anos de revolução. Ao passo que, em alguns Estados próximos considerados “democráticos”, como a Guatemala, Honduras, República Dominicana, até o México, sem falar na Colômbia, por exemplo, sindicalistas, opositores, jornalistas, sacerdotes, prefeitos, líderes da sociedade civil continuam sendo impunemente assassinados, sem que esses crimes habituais suscitem comoção na mídia internacional”. Nem comentários condenatórios.

A mídia internacional e os seus representantes aqui no Brasil, fazem um estardalhaço danado com qualquer problema que ocorra em Cuba ou em qualquer país que não siga a cartilha do consenso de Washington. Agora, eu não vi Arnaldo Jabor nem Boris Gasoy, nem A Folha de São Paulo comentar o assassinado de 70 civis afegãos mortos, recentemente, por militares norte-americano, segundo uma nota das forças militares sediadas no Afeganistão, foram mortos por engano e, pronto.

sexta-feira, fevereiro 26, 2010

Malvinas: resquício de um império decadente


O imbróglio jurídico-político que envolve as Malvinas reflete o embate entre o direito à descolonização, invocado pela Argentina, e uma visão distorcida do direito à autodeterminação dos povos, utilizado pelo Reino Unido, confiando no fato de que a população das Ilhas é de maioria britânica. Não obstante, essa população fora importada para o arquipélago no processo de expansão mundial do império britânico. A posição britânica está respaldada na mais pura lógica do imperialismo e do colonialismo. O artigo é de Larissa Ramina.

Larissa Ramina (*)

As Ilhas Malvinas situam-se no Atlântico Sul, a 480 km da costa argentina e a 14 mil km do Reino Unido. No passado, o arquipélago foi palco de reivindicações territoriais por parte da França, que foi expulsa pela Espanha, que o cedeu ao Reino Unido, que por sua vez o deixou desabitado. A Argentina, desde a conquista de sua independência, reclama a soberania sobre as Ilhas, jamais aceitando a ocupação britânica que desde 1833 ali mantém uma colônia.

O grande movimento de descolonização que animou a Assembleia Geral da ONU favoreceu incontestavelmente as pretensões argentinas. Quando a Organização foi criada, em 1945, havia mais de 80 nações sujeitas a regime colonial, onde viviam cerca de 750 milhões de pessoas, representando 1/3 da humanidade na época. No decorrer da segunda metade do século XX, após as chamadas “ondas de descolonização”, essa situação foi drasticamente revertida.

A partir dos anos 60, a Assembleia Geral adotou a “Declaração sobre a concessão da independência aos países e povos coloniais”, e já em 1962 instituiu um Comitê de Descolonização com o objetivo de impulsionar o processo de independência de territórios sujeitos à exploração das potências coloniais. O Comitê elaborou uma lista de territórios não-autônomos que incluía as Ilhas Malvinas, sinalizando positivamente à pretensão argentina. Cedendo às pressões internacionais, o Reino Unido iniciou um processo de negociações.

Fora da Organização, o apoio à Argentina não foi menos importante. Em 1976, a OEA declarou o direito de soberania irrefutável da Argentina sobre as Malvinas, e no mesmo ano o Movimento dos Não-Alinhados reconheceu a Argentina como proprietária legítima daquele território. Entretanto, as negociações nunca avançaram, resultando em um afrontamento militar entre os dois países em 1982, que terminou favorável ao Reino Unido. É verdade que a intervenção armada arquitetada pelo General Galtieri, numa tentativa desesperada de salvar a ditadura militar, provocou o efeito de ocultar os direitos legítimos do país sobre o arquipélago. Todavia, esses direitos estão muito longe de serem frágeis como pretendem os britânicos.

O imbróglio jurídico-político que envolve as Malvinas reflete o embate entre o direito à descolonização, invocado pela Argentina, e uma visão distorcida do direito à autodeterminação dos povos, utilizado pelo Reino Unido, confiando no fato de que a população das Ilhas é de maioria britânica. Não obstante, essa população fora importada para o arquipélago no processo de expansão mundial do império britânico. De fato, não é fácil encontrar justificativas para que um país localizado em outro continente, a 14 mil km de distância, exerça sua soberania sobre as Malvinas. A posição britânica está respaldada na mais pura lógica do imperialismo e do colonialismo. O princípio invocado pela Argentina foi concebido justamente para transformar uma ordem jurídica internacional que protege interesses colonialistas, a partir de uma dialética entre legitimidade e legalidade.

Na primeira década do século XXI, persistem ainda muitos territórios coloniais que aguardam o seu direito à independência. A inércia da ONU no caso das Malvinas justifica-se, em parte, pela condição do Reino-Unido de membro permanente do Conselho de Segurança, com direito de veto. A mesma lógica aplica-se à China no caso do Tibete.

A crise nas Malvinas é muito mais do que um problema argentino. Trata-se de um resquício do império decadente na América Latina, e para nós, brasileiros, de um encrave colonial no espaço do Mercosul. Acertou a Unasul e os 32 países da Cúpula da Unidade da América Latina e do Caribe (Calc), que inclui membros da Commonwealth, em respaldar as reivindicações de nosso país irmão.

(*) Larissa Ramina, Doutora em Direito Internacional pela USP, Professora da UniBrasil.

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

El cadável llamado OEA debe ser enterrado

Vicky Peláez (Cubadebate)

"América no es tanto tradición que continuar como un futuro que realizar" (Octavio Paz)

El mundo global neoliberal tiene cada vez más fisuras, especialmente visibles en América Latina, la misma que está en proceso de retomar su destino terminando con la hegemonía de los Estados Unidos para enrumbar su camino hacia lo colectivo y solidario como única forma de superar el neoliberalismo y recuperarse con fuerzas propias de la depresión que el modelo engendró. La iniciativa de Evo Morales y Hugo Chávez, presentada a la cumbre del Grupo de Río integrada por presidentes latinoamericanos y del Caribe que hoy culmina en la Rivera Maya en México, de crear una nueva Organización de Estados Americanos (OEA) “sin el norte, sin el imperio, sin Estados Unidos y Canadá”, representa un paso indispensable para liberarse de la dependencia norteamericana.

Desde hace tiempo la OEA es cadáver político, admitido no solamente por sectores progresistas, sino por los mismos ‘halcones neoliberales’. Uno de sus intelectuales, el novelista Mario Vargas Llosa escribió el 2000 que “la OEA ha sido una organización perfectamente inútil, incapaz de contribuir en lo más mínimo para preservar y promover la democracia y derechos humanos en el Continente”. Lo que calló Vargas, fue que la OEA no fue creada en 1948 para “promover democracia” sino para preservar los intereses geoeconómicos de los EE.UU. en América Latina. Este organismo, a pesar de ser “una comparsa decorativa” en términos de Vargas Llosa, ha ido cumpliendo a cabalidad su rol de brazo jurídico político de su mentor y mantener al Continente como “patio trasero” del Gran Patrón.

La OEA en realidad no comenzó en 1948 sino en 1889 cuando el gobierno norteamericano convocó la primera conferencia de la Asociación Internacional de las Repúblicas Americanas que en 1910 se convirtió en la Unión Panamericana (UP) bajo control de Estados Unidos. Desde 1899 hasta 1946 su Director General había sido siempre un norteamericano. Recién en 1946 y 1947 este cargo desempeñó primero, un mexicano - Pedro de Alva y después un colombiano - Alberto Lleras Camargo, ambos incondicionales de Norteamérica.

Al inicio de la Guerra Fría, Estados Unidos decidió rebautizar la UP y convertirla en OEA para asegurar su dominio y “luchar contra la expansión comunista en el continente”. Así la OEA no dijo nada cuando la CIA dio golpe de Estado en Guatemala en 1954 derrocando a Jacobo Arbenz. Siempre apoyó la dictadura de Anastasio Somoza en Nicaragua. En 1962 expulsó a Cuba de su seno. En 1965 avaló la invasión norteamericana a República Dominicana y contempló silenciosamente los golpes de Estado en Brasil, Uruguay, Chile y Argentina . Esta lista puede ser infinita mostrando el verdadero rostro de la OEA durante el golpe de Estado en Venezuela en 2002, intentos de golpe en Bolivia en 2009 y por supuesto, su ‘ineficiencia’ en el reciente golpe a Manuel Zelaya en Honduras.

Ahora que EE.UU. está aumentando su presencia militar en el continente, urge desarrollar una fuerte política latinoamericana creando no solamente una nueva OEA sin “ajenos” sino un dinámico Consejo Sudamericano de Defensa para proteger sus recursos naturales y su territorio, e impulsar más el Banco del Sur para hacer realidad una moneda regional. Con esto no hay pierde.

O que a imprensa conservadora silencia sobre a Venezuela

Mário Augusto Jakobskind

A República Bolivariana da Venezuela segue na ordem do dia da mídia. Quem acompanha o noticiário diário das TVs brasileiras e alguns dos jornalões tem a impressão que o país está à beira do caos e por lá vigora a mais ferrenha obstrução aos órgãos de imprensa privados. Mas há quem não tenha essa leitura sobre o país vizinho, que no próximo mês de setembro elegerá os integrantes da Assembléia Nacional.

José Gregorio Nieves, secretário da organização não-governamental Jornalistas pela Verdade, informou recentemente a representantes da União Européia que circularam em Caracas que nos últimos 11 anos, correspondente exatamente à ascensão do presidente Hugo Chávez, houve um avanço na democratização da comunicação na Venezuela. Ele baseia as suas informações em números. Segundo Nieves, há atualmente um total de 282 meios alternativos de rádios e televisões onde a população que não tinha voz agora tem.

Houve, inclusive, um aumento da democratização do acesso aos meios de comunicação. Até 1998, ou seja, no período em que a Venezuela era governada em revezamento, ora pela Ação Democrática (linha social-democrata), ora pela Copei (linha social cristã), não havia permissão para o funcionamento de veículos comunitários. No país existiam apenas 33 radiodifusores privados e 11 públicos, todos eles avaliados pela Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel).

Que seja ouvido o outro lado

Hoje, ainda segundo informação prestada por Nieves a representantes da UE, as concessões privadas em FM chegam a 471 emissoras, sendo 245 comunitárias e 82 de caráter público. Na área da televisão, o total de canais abertos privados até 1998 era de 31 particulares e oito públicos. Atualmente, a Conatel concedeu concessões a 65 canais privados, 37 comunitários e 12 públicos.

A lógica desses números contradiz, na prática, a campanha midiática de denúncia de falta de liberdade de imprensa. Seria pouco lógico que num período em que aumentaram as concessão de rádio e TV para a área privada o governo restringisse os passos das referidas empresas.

O secretário de organização dos Jornalistas pela Verdade informou ainda que a Lei de Responsabilidade Social no Rádio e Televisão permitiu o fortalecimento dos produtores nacionais independentes. Nieves fez questão de assinalar que a ONG que ele representa rejeita a manipulação contra o governo bolivariano que ocorre em âmbito da UE e em outros fóruns.

É importante que os leitores e telespectadores brasileiros tenham acesso a outros canais de informação e não aos de sempre, apresentados diariamente pelos grandes meios de comunicação vinculados à Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Em outros termos: que seja ouvido o outro lado, para que não prevaleça, como tem acontecido, o esquema do pensamento único.

RCTV é confirmada como produtora nacional

Para se ter uma idéia de como funciona o mecanismo do pensamento único, no próximo dia 1º de março, em São Paulo, o Instituto Millenium estará promovendo um seminário sobre "Liberdade de Expressão" que contará com a participação, entre outros, do presidente da RCTV venezuelana, Marcel Garnier, do colunista das Organizações Globo Arnaldo Jabor, do sociólogo Demetrio Magnoli, do jornalista Reinaldo Azevedo, da Veja, e de Carlos Alberto Di Franco, membro da seita Opus Dei.

O Instituto Millenium é dirigido, segundo informa o jornal Brasil de Fato, por Patrícia Carlos de Andrade, ex-mulher do ex-diretor do Banco Central no período FHC, Armínio Fraga, e filha do falecido jornalista Evandro Carlos de Andrade, que a partir de 1995 coordenou a Central Globo de Jornalismo. Os mediadores do seminário serão três profissionais de imprensa das Organizações Globo: o diretor Luís Erlanger, o repórter Tonico Pereira e o âncora William Waack.

Já se pode imaginar o tipo de crítica ao governo venezuelano que vem por aí. Vão lamentar a suspensão de seis emissoras de TV a cabo, mas provavelmente deixarão de mencionar, como tem feito a mídia conservadora, que cinco desses canais já retornaram ao ar porque deram as informações necessárias solicitadas pela Conatel. Quanto à RCTV, que se julga internacional, a Conatel confirmou a classificação do canal de TV a cabo como produtora nacional, o que conseqüentemente a obriga a acatar as leis do país. Se fizer isso, poderá voltar ao ar. Se não o fizer, Marcel Garnier continuará circulando por países da América Latina para denunciar a "falta de liberdade de imprensa no país de Chávez".

Sem contraponto

Ah, sim: nestes dias, o governo do Uruguai, cujo presidente, Tabaré Vázquez, encerra o mandato na mesma data do seminário promovido pelo Instituto Millenium, anunciou que vai punir dezenas de emissoras de rádio que se recusaram a entrar na cadeia nacional obrigatória em que o chefe do Executivo uruguaio informava a população sobre questões relacionadas aos direitos humanos. Os jornalões e as TVs brasileiros não deram uma linha sobre o fato, ao contrário do que aconteceu quando a Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel) da Venezuela decidiu suspender emissoras de rádio que estavam em situação irregular.

Por estas e muitas outras é que os leitores e telespectadores brasileiros e da América Latina de um modo geral recebem informações sobre a Venezuela apenas com base do que dizem os inimigos da Revolução Bolivariana. Não há contraponto.

Novo bloco de integração regional

Prensa Latina
Os presidentes participantes da Cúpula da Unidade, realizada em Cancún, no México, aprovaram nesta terça-feira (23) a criação da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos, concebida como outro importante passo na integração.
O novo mecanismo incorporará a todos os países do hemisfério, sem os Estados Unidos nem o Canadá, e prevê absorver a Cúpula da América Latina e do Caribe e o Grupo do Rio, ao mesmo tempo em que coexistiria com outras organizações subregionais.
Os presidentes e representantes de 32 países participantes da reunião de Cancún decidiram lançar o novo bloco, cujo funcionamento formal terá início quando seus estatutos estiverem prontos.
De acordo com o presidente Felipe Calderón, anfitrião do encontro, o objetivo do mecanismo de consulta será projetar a nível global a região baseados no respeito ao direito internacional, na igualdade de estados, no respeito aos direitos humanos e na cooperação.
Por sua vez, o presidente cubano, Raúl Castro, qualificou a criação do novo mecanismo de transcendência histórica.
"Cuba considera que estão dadas as condições para avançar com rapidez para a constituição de uma organização regional puramente latino-americana e caribenha que integre e represente as 33 nações independentes da região", afirmou o chefe de Estado.
Além da integração regional, a reunião de Riviera Maya discutiu uma ampla agenda e adotou declarações sobre a reconstrução do Haiti, a soberania argentina sobre as ilhas Malvinas e a mudança climática.

terça-feira, fevereiro 23, 2010

Quem era terrorista ?

Emir Sader

À falta de outros argumentos e propostas, com um mínimo de consistência, os opositores reiteram a imagem de “terrorista” de Dilma.

Quem era terrorista: a ditadura militar ou os que lutávamos contra ela? Dilma estava entre estes, o senador José Agripino (do DEM, ex-PFL, ex-Arena, partido da ditadura militar), entre os outros.

O golpe militar de 1964, apoiado por toda a imprensa (com exceção da Última Hora, que recebeu todo o peso da repressão da ditadura), rompeu com a democracia, a destruiu em todos os rincões do Brasil, e instaurou um regime de terror – que depois se propagou por todo o cone sul do continente, seguindo seu “exemplo”.

Diante do fechamento de todo espaço possível de luta democrática, grandes contingentes de jovens passaram à clandestinidade, apelando para o direito de resistência contra as tiranias, direito e obrigação reconhecidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Enquanto nos alinhávamos do lado da luta de resistência democrática contra a ditadura, os proprietários das grandes empresas de comunicação – entre eles os Frias, os Marinhos, os Mesquitas -, os políticos que apoiavam a ditadura – agrupados na Arena, depois PFL, agora DEM, como, entre tantos outros, o senador José Agripino –, grandes empresários nacionais e estrangeiros, se situavam do lado da ditadura, do regime de terror, da tortura, dos seqüestros, dos fuzilamentos, das prisões arbitrárias, da liquidação da democracia.

Quem era terrorista? Os que lutavam contra a ditadura ou os que a apoiavam? Os que davam a vida pela democracia ou os que se enriqueciam à sombra da ditadura e da repressão? Os que apoiavam e financiavam a OBAN ou aqueles que, detidos arbitrariamente, eram vitimas da tortura nas suas dependências, fuzilados, desaparecidos?

Quem era terrorista? José Agripino ou Dilma? Os militares que destruíram a democracia ou os que a defendiam? Quem usava a picanha elétrica, o pau-de-arara, contra pessoas amarradas, ou quem lutava, na clandestinidade, contra as forças repressivas? Quem era terrorista: Iara Iavelberg ou Sergio Fleury? Quem estava do lado da Iara ou quem estava do lado do Fleury? Dilma ou Agripino? Quem estava na resistência democrática ou quem, por ação ou por omissão, estava do lado da ditadura do terror?

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

Economia e Vida

Manfredo Araújo de Oliveira

As Igrejas cristãs do Brasil que fazem parte do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs decidiram realizar este ano a terceira Campanha da Fraternidade Ecumênica. Este gesto pretende ser realizado no sentido de aprofundar nossa vida democrática, porque o que se quer na realidade é no reconhecimento pleno e explícito da laicidade do Estado dar uma contribuição para a construção de uma sociedade verdadeiramente promotora da dignidade do ser humano. Isto já se revela no testemunho destas igrejas de respeito à totalidade da existência humana e no seu empenho na busca daquele conjunto de condições sociais que possibilitam o desenvolvimento integral da personalidade humana.
O propósito da campanha já se exprime na explicitação dos objetivos fundamentais: "É necessário conclamar a todos e todas para construir uma nova sociedade, educar essa mesma sociedade afirmando que um novo modelo econômico é possível, e denunciar as distorções da realidade econômica existente, para que a economia esteja a serviço da vida". Em última análise o que se deseja é que a campanha seja capaz de mobilizar não só estas igrejas, mas as forças vivas da sociedade civil no sentido da procura de respostas concretas e eficazes às necessidades básicas das pessoas e à salvaguarda da natureza a partir de mudanças profundas, tanto a nível pessoal como comunitário e estrutural, derivadas de uma visão de mundo em que a justiça e a solidariedade constituam valores estruturantes.

Onde se situa para estas igrejas a questão de fundo que marca hoje nossas formações sociais? Na contraposição entre duas lógicas: a lógica do mercado e a lógica da vida. Em primeiro lugar trata-se de um fato: nossas sociedades têm no mercado o mecanismo central de sua estruturação, ou seja, são sociedades em que bens e serviços são vendidos e comprados, em que se produz em função da venda e da compra. No entanto se tem consciência que isto não é um fato qualquer, porque a maneira de organizar a sociedade em todos os seus níveis toca diretamente a dignidade do ser humano e sua capacidade de se desenvolver na família e na sociedade.

Por esta razão se desce a um segundo nível de indagação e se procura entender a lógica que rege este processo que é a lógica da acumulação do capital independentemente se isto conduz à destruição da natureza e à produção sistêmica da miséria de muitas famílias. Assim, chega-se à conclusão que todo este processo não está organizado em função da vida humana o que faz com que exigências humanas importantes para a vida digna não possam simplesmente ser satisfeitas através do mecanismo de mercado. É isto que permite um julgamento ético desta configuração da vida social a partir da constituição do ser humano e de sua dignidade. Numa palavra, a economia é uma dimensão fundamental da vida e por esta razão o julgamento de suas instituições e de suas políticas se deve fazer a partir de um critério básico: a maneira de elas protegerem ou destruírem a vida e a dignidade da pessoa humana.

Daí a afirmação ética básica: "Cada pessoa tem o direito fundamental à vida e, portanto, o direito a todas as coisas necessárias para uma vida de qualidade. As pessoas têm direito a viver e a satisfazer as necessidades básicas. Essas não consistem apenas em alimentação, vestuário e moradia, mas também educação, saúde, segurança, lazer, garantias econômicas e oportunidades de desenvolver todas as capacidades de que a pessoa é dotada". Ora é precisamente esta vida que está ameaçada em nossa sociedade em que viviam em 2007 10,7 milhões de indigentes (famintos) e 46, 3 milhões de pobres segundo dados fornecidos pelo Instituto de Estudos do Trabalho e da Sociedade (IETS). A conjugação entre esta situação, a lógica do processo econômico que nos rege e seu julgamento ético nos leva a uma exigência fundamental: a busca de uma nova forma de organização social que ponha a vida humana acima dos interesses do mercado.

sexta-feira, fevereiro 19, 2010

Cuba é uma ditadura ?

As circunstâncias históricas levaram Cuba a restringir liberdades. Mas seu sistema político deveria ser analisado sem endeusamento do modelo liberal, no qual a existência de direitos formais não representa garantias para um funcionamento democrático baseado na participação popular.

Breno Altman

O novo presidente do PT, José Eduardo Dutra, em entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues (Folha de S.Paulo), no último dia 11/02, respondeu afirmativamente à pergunta que faz as vezes de título desse artigo. Com ressalvas de contexto, identificando no longo bloqueio norte-americano uma das causas do que chamou de "fechamento político", Dutra assumiu a mesma definição dos setores conservadores quando abordam a natureza do regime político existente na ilha caribenha.

Essa discussão é um capítulo importante na agenda da contra-ofensiva à hegemonia do pensamento de direita. Afinal, a possibilidade do socialismo foi estabelecida pelos centros hegemônicos não apenas como economicamente inviável e trágica, mas também como intrinsecamente autoritária.

Quando o colapso da União Soviética permitiu aos formuladores do campo vitorioso declarar o capitalismo e a economia de livre-mercado como o final da história, de lambuja também fixaram o sistema político vigente na Europa Ocidental e nos Estados Unidos como a única alternativa democrática aceitável.

Não foram poucos os quadros de esquerda que assumiram esse conceito como universal e abdicaram da crítica ao funcionamento institucional dos países capitalistas. Alguns se arriscaram a ir mais longe, aceitando esse modelo como paradigma para a classificação dos demais regimes políticos.

Na tradição do liberalismo, base teórica da democracia ocidental, a identificação e a quantificação da democracia estão associadas ao grau de liberdade existente. Quanto mais direitos legais, mais democrático seria o sistema de governo. No fundo, democracia e liberdade seriam apenas denominações diferentes para o mesmo processo social.

Pouco importa que o exercício dessas liberdades seja arbitrado pelo poder econômico. As disputas eleitorais e a criação de veículos de comunicação, por exemplo, são determinadas em larga escala pelos recursos financeiros de que dispõem os distintos setores políticos e sociais.

No modelo democrático-liberal, afinal, os direitos formais permitem o acesso irrestrito das classes proprietárias ao poder de Estado, que podem usar amplamente sua riqueza para mercantilizar a política e seus instrumentos, especialmente a mídia. Basta acompanhar o noticiário político para se dar conta do caráter cada vez mais censitário da democracia representativa.

A revolução cubana ousou ter entre suas bandeiras a criação de outro tipo de modelo político, no qual a democracia é concebida essencialmente como participação popular. Ao longo de cinco décadas, mesmo com as dificuldades provocadas pelo bloqueio norte-americano, forjou uma rede de organismos que mobilizam parcelas expressivas de sua população.

A maioria dos cubanos participa de reuniões de células partidárias, do comitê de defesa da revolução de sua quadra, dos sindicatos de sua categoria, além de outras organizações sociais que fazem parte do mecanismo decisório da ilha. Não são somente eleitores que delegam a seus representantes a tarefa de legislar e governar, ainda que também votem para deputados - o regime cubano é uma forma de parlamentarismo. Esse tipo de participação talvez explique porque Cuba, mesmo enfrentando enormes privações, não seguiu o mesmo curso de seus antigos parceiros socialistas.

O modelo cubano não nasceu expurgando seus opositores ou instituindo o mono-partidarismo. Poderia ter se desenvolvido com maior grau de liberdade, mas teve que se defender de antigos grupos dirigentes que se decidiram pela sabotagem e o desrespeito às regras institucionais como caminhos para derrotar a revolução vitoriosa. Na outra ponta, as diversas agremiações que apoiavam a revolução (além do Movimento 26 de Julho, liderado por Fidel, o Diretório Revolucionário 13 de Março e o Partido Socialista Popular) foram se fundindo em um só partido, o comunista, oficialmente criado em 1965.

Os círculos contra-revolucionários, patrocinados pelo governo democrata de John Kennedy, organizaram a invasão da Baía dos Porcos em 1961. Aliaram-se a CIA em algumas dezenas ou centenas de tentativas para assassinar Fidel Castro e outros dirigentes cubanos. Associados a seguidas administrações norte-americanas, criaram uma situação de guerra e passaram a operar como braços de um país estrangeiro que jamais aceitou a opção cubana pela soberania e a independência.

A restrição das liberdades foi a salvaguarda de uma nação ameaçada, vítima de uma política de bloqueio e sabotagem que já dura meio século. Os Estados Unidos dispõem de diversos planos públicos, para não falar dos secretos, cujo objetivo é financiar e apoiar de todas as formas a oposição cubana.

Vamos combinar: já imaginaram, por exemplo, o que ocorreria se um setor do Partido Democrata recebesse dinheiro cubano, além de préstimos do serviço de inteligência, para conquistar a Casa Branca?

Claro que o ambiente de guerra e a redução das liberdades formais impedem o desenvolvimento pleno do modelo político fundado pela revolução de 1959. Vícios de burocratismo e autoritarismo estão presentes nas instâncias de poder. Mas ainda nessas condições adversas, o governo cubano veio institucionalizando interessante sistema de participação popular. O contrapeso ao modelo de partido único, opção tomada para blindar a revolução sob permanente ataque, é um sistema de organizações não-partidárias que exercem funções representativas na cadeia de comando do Estado.

A Constituição de 1976, reformada em 1992, estabeleceu o ordenamento jurídico do modelo. Um dos principais ingredientes foi a criação do Poder Popular, com suas assembléias locais, municipais, provinciais e nacional. Seus representantes são eleitos em distritos eleitorais, em voto secreto e universal. Os candidatos são obrigatoriamente indicados por organizações sociais, em um processo no qual o Partido Comunista não pode apresentar nomes - aliás, ao redor de 300 dos 603 membros da Assembléia Nacional não são filiados comunistas.

O Poder Popular é quem designa o Conselho de Estado e o Conselho de Ministros, principais instâncias executivas do país, além de aprovar as leis e principais planos administrativos. Seus integrantes não são profissionais da política: continuam a desempenhar suas atividades profissionais e se reúnem, em âmbito nacional, duas vezes ao ano para deliberar sobre as principais questões.

A Constituição também prevê mecanismos de consulta popular. Dispondo desse direito, o dissidente Oswaldo Payá, líder do Movimento Cristão de Libertação, reapresentou à Assembléia Nacional do Poder Popular, em 2002, uma petição com 10 mil assinaturas para que fosse organizado referendo que modificasse o sistema político e econômico na ilha.

O governo reuniu 800 mil registros para propor outro plebiscito, que tornava o socialismo cláusula pétrea da Constituição. Teve preferência pela quantidade de assinaturas. Cerca de 7,5 milhões de cubanos (65% do eleitorado), apesar do voto em referendo ser facultativo, votaram pela proposta defendida por Fidel Castro.

Tratam-se apenas de algumas indicações e exemplos de que o novo presidente petista pode ter sido um pouco apressado em suas declarações. As circunstâncias históricas levaram Cuba a restringir liberdades. Mas seu sistema político deveria ser analisado com menos preconceito, sem endeusamento do modelo liberal, no qual a existência de direitos formais amplos não representa garantias para um funcionamento democrático baseado na participação popular.

Malvinas, colonialismo e soberania da América Latina

Gilson Caroni Filho
Enquanto analistas buscam fornecer conceitos atualizados de Estado e soberania, a realidade continua sendo moldada pelo antigo conceito de imperialismo: aquele que era definido como expressão de uma fase monopolista do capital.

A decisão do governo britânico de explorar petróleo e gás nas Ilhas Malvinas, reavivando tensões entre a Argentina e o Reino Unido, 28 anos depois da guerra travada entre os dois países por esse arquipélago do Atlântico Sul, reafirma o léxico colonialista que faz tábua rasa das resoluções da ONU. A conhecida virulência do antigo império, sempre amparado no apoio dos Estados Unidos, não afronta apenas o povo argentino. Para além das fortes evidências de uma rica província de hidrocarbonetos na região, o que está em xeque é a soberania da América Latina. Elaborar estratégia para a defesa de suas riquezas energéticas, como o pré-sal brasileiro, é imperativo e inadiável.

Como denunciou a presidente Cristina Kirchner, “não é aceitável que as regras do mundo não sejam iguais para todos. As Nações Unidas podem tomar medidas, inclusive de força, contra países que não cumprem certas normas, mas quando são os poderosos que não as cumprem, nada acontece. A permanência de um enclave colonial não tem sentido". Afirmar que tudo não passa de “um assunto de política interna tanto para Cristina quanto para Gordon Brown" é jogar cortina de fumaça sobre questões mais profundas. Trata-se de, agindo com má-fé, estabelecer paralelos equivocados entre o passado e o presente.

Se, em 1982, o desespero foi o conselheiro que inspirou a ditadura militar a um salto no vazio, isto é, a ocupação das Malvinas, o que hoje move o governo argentino é a preservação de um espaço político soberano. Não há um general Galtieri tentando abrir um caminho para escapar do beco sem saída, mas uma presidente eleita reivindicando legítimos direitos nacionais. Um país renascido diante da recuperação de suas liberdades e consciente da importância da autodeterminação.

Não há solução de "meio-termo" quando a ofensiva imperialista não esconde mais seus objetivos. O golpe em Honduras, a ofensiva dos grandes proprietários na Argentina, a ação desestabilizadora da direita paraguaia, e as bases militares na Colômbia e no Panamá são fatos por demais suficientes para afastar a perigosa inércia analítica. Aquela que ignora, entre outras coisas, a crescente militarização das relações dos Estados Unidos com a América Latina.

As Ilhas Malvinas e suas adjacências são argentinas. Devem ser descolonizadas e reintegradas ao país. Têm que ser liberadas da ocupação estrangeira que se propõe a explorar suas riquezas e, provavelmente, instalar bases militares apontando para toda a América Latina e seu projeto de integração regional.

A luta deve prosseguir no plano político, diplomático, e em todos os terrenos apropriados, até a definitiva recuperação do arquipélago. É preciso afrontar todas as responsabilidades exigidas para o cumprimento de um programa de ação democrática e antiimperialista.

Não nos iludamos. Os piratas ingleses fazem parte de uma missão precursora no Atlântico Sul. A gravidade da situação obriga a coordenação no esforço de todos os partidos democráticos e populares para uma ação em conjunto com as correntes militares dispostas a não abdicar na luta contra o colonialismo.

Frase

"Não há desenvolvimento econômico no mundo que tenha sido feito sem o apoio de um Estado indutor. A maior ilusão é pensar que o desenvolvimento inglês, na revolução industrial, não tinha o Estado por trás. Os americanos então nem se fala. Algumas pessoas imaginam que os EUA sempre foram liberais. Não tem nada disso."

(Delfim Netto, à esquerda do tucanato e da mídia demotucana; Valor, 19-02)

terça-feira, fevereiro 09, 2010

Estado: problema e soluções

Emir Sader

A crise econômica internacional terminou de projetar o Estado no centro dos debates não apenas econômicos, mas políticos e ideológicos. Ser “estatista” tinha se tornado um dos piores palavrões, ao lado de “populista”. Um remetia à regulação da economia, e à indução do crescimento pelo Estado, enquanto o outro, às políticas sociais redistributivas.

Há quase um século – mais precisamente, há 9 décadas – o Estado tinha passado a assumir um sinal positivo, diante das conseqüências da crise de 1929. Unanimemente atribuída ao liberalismo econômico, as tres correntes que surgiram ou se fortaleceram a partir dali – o keynesianismo, o socialismo soviético e o fascismo – atribuíram papel estratégico e permanente ao Estado. Foi no esgotamento do ciclo longo expansivo do capitalismo que as teses anti-estatistas – hibernadas durante muito tempo – voltaram à baila.

Elas estavam sintetizadas na tese reaganiana de que “O Estado não é a solução, é o problema.” A perda do ritmo de expansão das economias e o surgimento da chamada “estagflação” (estagnação com inflação) foi atribuído centralmente ao Estado, para o qual foram dirigidas as baterias do grande capital e dos seus porta-vozes na academia, no foros econômicos e na imprensa. De forma resumida, as regulações que limitariam a livre circulação do capital seriam os fatores da recessão e os freios para uma retomada do desenvolvimento econômico.

Vitoriosos, os (neo)liberais promoveram uma gigantesca operação de desqualificação do Estado e, sintonizado com ele, da política, das relações de poder, dos partidos, das alternativas coletivas. E, automaticamente, a exaltação das virtudes do mercado, que passaram a monopolizar a idéia de “dinamismo”, de “alocação virtuosa de recursos”, de “sociedade de oportunidades”, de “liberdade econômica”, de “modernização econômica”, de “desenvolvimento tecnológico”.

“Estatista” passou a ser palavrão, desqualificador, ao lado de “populista”. O retiro do Estado representou expropriação de direitos, devastação do nível de emprego, das empresas nacionais, se expandiu como nunca a precarização das relações de trabalho, o desemprego, a concentração de renda, a exclusão social, a pobreza e a miséria. As distâncias e as contradições entre o centro do mundo e a periferia aumentaram exponencialmente, os continentes do Sul regrediram nas condições de vida da massa da população, que vive nessa região do mundo.

Menos Estado, não significou mais cidadania, mais dinamismo econômico, nada disso. Representou mais mercado, um mercado controlado por grandes monopólios, pelo grande capital financeiro. Representou menos cidadania, porque menos direitos.

O combate da direita contra o Estado se dá contra os elementos de regulação da livre circulação do capital – entrada e saída de capitais dos países, menos impostos, flexibilização para contratar força de trabalho nas condições que os empresários entendam, privatização de patrimônio publico, entre outros. O Estado que eles gostam e que se manteve, é o que lhes fornece subsídios, isenções, créditos, perdões de dívidas. Em suma, Estado mínimo para a grande maioria dos explorados, oprimidos, discriminados. E Estado máximo para o grande capital e o grande empresariado.

A crise econômica internacional demandou fortemente a ação do Estado, ao lado da falência do mercado como alocador de recursos, ao mesmo tempo em que sua capacidade para reimpulsar o desenvolvimento se revelou falsa. No Brasil, a grande virada na política governamental - a partir da segunda metade do primeiro mandato de Lula, mas claramente definida no segundo – mudou o papel do Estado, na concepção e na ação concreta. Foi o grande agente que permitiu o novo ciclo expansivo da economia, a consolidação das políticas sociais e o enfrentamento dos efeitos da crise econômica internacional.

Os discursos de Lula e da Dilma refletem esse resgate do Estado brasileiro, que estão fortemente presentes no documento básico apresentado ao Congresso do PT. Bastou, para que a mídia empresarial levantasse os seus alertas sobre os riscos de um Estado excessivamente forte, do “estatismo”, de que o programa da Dilma a colocaria à esquerda do governo Lula e os riscos que isso representaria.

O consenso em relação ao Estado mudou com o governo Lula. Como Dilma conta no livro que organizamos com o Marco Aurélio Garcia (“Brasil, entre o passado e o futuro”, coedição da Boitempo com a Perseu Abramo, com artigos, pela ordem do índice, de Emir Sader, Jorge Mattoso, Nelson Barbosa, Marcio Pochmann, Luiz Dulci, Marco Aurélio Garcia e Dilma Rousseff), no momento do lançamento do PAC, ela foi chamada ao Congresso para explicar a participação do Estado, mas quando foi lançado o "Minha casa, minha vida", isso não voltou a ocorrer. Foi se avançando na consciência do papel indispensável do Estado.

The Economist lamenta a fraqueza do liberalismo econômico no Brasil, considerando que os dois candidatos mais importantes teriam concepções similares, distantes do liberalismo. Alegam que a principal razão seria o voto obrigatório que, segundo eles, teria como conseqüência um eleitorado favorável à participação do Estado, porque os pobres – a grande maioria – tenderiam a pedir mais Estado, que é a fonte dos seus direitos, das políticas sociais redistributivas, a quem eles podem apelar quando sentem injustiças, etc. etc. (Razão, por si só, para que fôssemos a favor do voto obrigatório.)

Bastou os alarmes disparados pela imprensa e as reações se fizeram sentir, na direita e na própria esquerda. Naquela, tentar transformar esse tema em um eventual risco, em um fator de instabilidade, de mais tributação, em limitações ao “mercado”, em mais gastos públicos, etc. Em suma, tentar fortalecer a pauta da direita: menos Estado, menos impostos, mais mercado.

Se o Brasil hoje é uma sociedade menos injusta é, em grande medida, pela ação do Estado brasileiro. Se o Brasil é hoje um país com grande e prestigiada presença internacional, é pela ação do Estado brasileiro. Se resistimos à crise de forma muito positiva, é graças ao Estado brasileiro.

A maior discussão hoje é aquela sobre o tipo de Estado e, extremamente vinculada a ela, sobre o tipo de sociedade que precisamos e queremos. Voltar a fortalecer o papel do Estado, como foi feito até aqui, revelou-se indispensável para retomar o desenvolvimento, fortalecer as políticas sociais e enfrentar em melhores condições os efeitos da crise.

Mas o Estado forte que precisamos é o Estado que cada vez mais se centra na esfera pública, deslocando seu eixo da financeirização a que estava condenado com a hegemonia inquestionada do capital especulativo no seu interior. Trata-se de reformar o Estado, debilitando a esfera mercantil e fortalecendo a esfera pública, isto é, transferindo para a esfera dos direitos o que havia sido privatizado, sobretudo direitos essenciais, como os de educação, saúde, comunicação, cultura, habitação e outros serviços essenciais.

Estado forte é o que estende o reconhecimento da cidadania a setores cada vez mais amplos da sociedade, até que todos os brasileiros se sintam e sejam realmente cidadãos – sujeitos de direitos. Governava-se o Brasil para um quarto ou um terço da população, o restante sendo considerados “excedentes” pelo mercado. Esse era um Estado fraco, não apenas porque abriu mão de patrimônio público mediante privatizações a preço de banana, mas também porque era um Estado excludente, para uma minoria, com instituições estatais enfraquecidas, com serviços públicos sem recursos, que arrecadavam recursos prioritariamente para pagar a divida publica, transferindo recursos do setor produtivo para o especulativo.

Um Brasil democrático requer um Estado centrado na esfera pública, que centralmente universalize direitos, consolide a soberania nacional, fortalece as alianças regionais e do Sul do mundo, que potencialize nossas energias e fortaleça os que até aqui foram maiores vitimas da globalização neoliberal.

As pressões da direita – e, em especial do seu segmento midiático – são para que a esquerda se assuste com as acusações de “estatismo”. Não temos que nos assustar, como não nos assustamos com as de “populismo” e seguimos estendendo as políticas sociais, que são o maior bastião de apoio e legitimidade do governo. Quer a direita que não disponhamos dos instrumentos para acelerar o desenvolvimento do país, para canalizar os investimentos cada vez mais para a esfera produtiva, para seguir estendendo as políticas sociais, agora plenamente para o campo da habitação, do saneamento básico, da universalização da banda larga na internet.

Como disse Dilma na entrevista do livro mencionado, não são os empresários os que defendem a retração do Estado, mas os ideólogos que pretendem falar no seu nome. Pelo sim ou pelo não, estamos seguros – como disse, com plena consciência The Economist – o povo quer mais Estado, porque sabe, por experiência própria, que é quem garante seus direitos, na contramão do mercado que, ao contrário, só acentua a concentração de renda e a exclusão social.

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

O Itamaraty, as elites e o povo

Mauro Santayana

A diplomacia brasileira foi organizada às pressas, com a tarefa inicial de obter o reconhecimento internacional do novo Estado e de lhe assegurar os recursos necessários aos primeiros atos de autonomia. Apesar dessas dificuldades, e dos contratos leoninos que os banqueiros ingleses impuseram, seguimos, desde o princípio, uma linha necessária de ação: a de preservar a integridade nacional dentro do território histórico. E isso foi obtido – mediante as negociações diplomáticas e as armas – quando rechaçamos a presença paraguaia em Mato Grosso e participamos da luta contra Hitler, que pretendia ocupar todo o Sul do Brasil.

É conhecida a preocupação, sobretudo de Rio Branco, em aliar, na escolha de nossos diplomatas, a inteligência à elegância e à aparência. O barão não admitia mestiços, e, antes de nomear alguém, fazia questão de convidar o candidato e sua mulher, para avaliar o futuro desempenho do casal. No tempo do Império, e durante grande parte da República, o recrutamento de nossos diplomatas se fazia entre as elites oligárquicas, rurais e burguesas. Esses grupos simplesmente ignoravam o povo, e tinham a ideia de que o território era propriedade de vasto clã familiar.

Foi difícil a Rio Branco, por exemplo, preferir Ruy Barbosa a Joaquim Nabuco para a chefia da delegação brasileira à Conferência de Haia em 1907. Nabuco, que já fora embaixador em Washington, e era filho do conselheiro do Império, Nabuco de Araújo, tinha o aplomb aristocrático que agradava ao barão. Providencial surdez do pernambucano – lembrada em editorial do Correio da Manhã, pouco antes da escolha – obrigou-o a aceitar o baiano, de resto homem de origem modesta.

A aristocracia de Rio Branco não o impediu de ser o competente defensor da soberania brasileira, em todas as questões fronteiriças e, sobretudo, em episódio pouco conhecido, o da Colônia do Descalvado, quando impediu que o Pantanal se tornasse uma espécie de Congo Belga. Pouco a pouco, com o amadurecer da República, jovens da classe média passaram a ingressar no Itamaraty, e já há, entre os mais recentes, filhos de trabalhadores. Não obstante isso, o Itamaraty, até há alguns anos, dava a impressão de representar apenas algumas parcelas da nacionalidade, embora houvesse exceções notáveis. Houve momentos em que homens da elite – como foram Affonso Arinos e Santiago Dantas – dirigentes do Itamaraty, da carreira ou não, procuraram representar o Brasil como ele é, e não como outros gostariam que fosse. Ressalte-se que, durante toda sua História, nossa diplomacia oscilou entre a defesa da soberania nacional de uns e a submissão de outros.

O êxito do Itamaraty, nesses anos de Lula, é explicável. Houve, entre o presidente e a Secretaria de Estado, completo entendimento. Ainda no governo Itamar ocorreu um choque no Ministério do Exterior, quando o presidente anunciou o nome de José Aparecido para substituir o aristocrata Fernando Henrique. O próprio Fernando Henrique foi contra a indicação, embora, durante o regime militar, ninguém se opusesse a que o banqueiro monoglota Magalhães Pinto ocupasse o cargo. Aconselhado pelos seus médicos, Aparecido, que estava enfermo, declinou do convite, mas não abriu mão de indicar Celso Amorim para o lugar. Tanto naquele momento quanto nesses últimos anos, Amorim entendeu que nos devíamos unir aos povos que têm os nossos mesmos interesses. Talleyrand dizia aos jovens diplomatas que, surtout, pas trop de zéle. Amorim, ao empossar-se em 2003, como ministro de Lula, recomendou aos subordinados que não tivessem medo. Não tivessem medo de defender os interesses brasileiros no mundo, quaisquer fossem os interlocutores. Poderia ter sido mais claro e aconselhado a que não se inibissem naquele momento em que um operário assumia a Presidência da República.

O Brasil, apesar de suas dificuldades, já deixou de ser o país do Carnaval. É uma nação moderna que volta a uma verdade simples: a prosperidade é tanto mais sólida quanto é mais bem distribuída. Por isso, o Brasil é hoje a ponte política entre o Ocidente e grandes países asiáticos, como a Índia e a China. E seus diplomatas – sob a chefia do ministro Celso Amorim e do secretário-geral Samuel Pinheiro Guimarães – podem dirigir-se ao mundo sem chocho deslumbramento e sem a submissão com que muitos agiram no passado recente.

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Chávez sem rival político 11 anos depois

Caracas (Prensa Latina)
Há 11 anos de sua ascensão ao poder, o presidente Hugo Chávez mantém-se hoje como o político mais popular da Venezuela a ponto de desafiar uma nervosa oposição a realizar um referendo revocatório.
Depois de derrotar a máquina eleitoral de direita, Chávez assumiu a Presidência da República no dia 2 de fevereiro de 1999 à frente de um movimento popular cuja liderança ganhou como alternativa a quase meio século de governos corruptos.
Em um país que apesar de sua enorme riqueza petroleira em 1998 tinha 48,1 por cento de sua população na pobreza e 17,1 por cento na miséria, Chávez propôs um novo modelo de distribuição que ganhou o respaldo maioritário da nação.
O fato de que 11 anos depois siga sendo um político sem rival que aproxime-se a sua altura, expressa em boa medida que a população percebe positivamente o cumprimento de seus compromissos com a aplicação de políticas de ordem social.
Em 2009, a pobreza extrema fechou em seis por cento com uma redução de 11 pontos percentuais em 10 anos, enquanto a pobreza passou para 24,2 por cento, o que significa que mais de quatro milhões saíram da pobreza e mais de dois milhões da miséria.
Também estima-se que cerca de 15 milhões dos 28 milhões de venezuelanos se beneficiam do programa gratuito de atendimento médico Missão Bairro Adentro e outros tantos milhões do plano de alimentos subsidiados MERCAL.
Os programas sociais financiados pelo petróleo abarcam atenção a mães solteiras, crianças de rua, preparação trabalhista, financiamento de cooperativas e educação gratuita desde a primária ao nível universitário, entre outros.
A popularidade de Chávez é hoje indiscutível até por setores opositores que buscam recuperar parte do terreno perdido nas eleições parlamentares de setembro deste ano, a partir de dificuldades relacionadas com a crise mundial.
Aos problemas provocados pela queda do preço do petróleo, como resultado da crise, se soma uma longa seca como resultado do fenômeno climático El Niño em um país que produz mais de 70 por cento de sua energia com hidroelétricas.
No entanto, a negativa em tentar diminuir o mandato de Chávez com um referendo revocatório como permite a Constituição, indica um reconhecimento do respaldo popular do qual goza o presidente.
Diante dos recentes fatos violentos provocados pela oposição, o presidente desafiou esses setores a tentar sua saída por vias constitucionais como é o revocatório, oferta recebida com ouvidos surdos pelos partidos de direita.
Aos 11 anos de sua chegada à presidência e apesar de atravessar momentos complicados pela crise internacional, Chávez segue sendo hoje um político sem um opositor de categoria que se prepara para uma nova batalha com as eleições parlamentares.
Sem dúvidas, a figura do presidente, reforçada por seu Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), terá uma força importante nas eleições nos quais se deve eleger os 165 membros da próxima Assembleia Nacional.
Sua projeção é obter os dois terços do parlamento, como garantia para aprofundar o processo de mudanças para passar de um projeto de melhor distribuição da riqueza a um sistema socialista que denomina Socialismo do Século XXI.
Para conseguir este propósito e seguir com a proposta apresentada para o país, não basta apenas o respaldo de Chávez, pois normalmente neste tipo de eleições têm uma grande influência fatores regionais e cada candidato possui seu peso específico.
No entanto, é inegável a influência de sua liderança nas eleições, convocadas para o próximo dia 26 de setembro.
Acostumado aos desafios e otimista nos momentos difíceis, Chávez advertiu seus seguidores que não terá caminho fácil, diante disto é necessário reforçar a mobilização e a unidade para garantir a continuidade do processo iniciado no dia 2 de fevereiro de 1999.

Oligarquias contra Chávez

Mário Augusto Jakobskind
A mídia conservadora brasileira e latino-americana está fazendo o possível e o impossível para que a previsão da revista Newsweek se confirme. A publicação estadunidense, deixando de lado a função jornalística, somou-se ao desejo de grande parte da oligarquia das Américas de que o governo Hugo Chávez seja derrubado e previu a eclosão de um golpe militar no país sul-americano.
A TV Globo não fez por menos e convocou um “consultor político”, um tal de Alexandre Barros, para criticar o “silêncio do governo brasileiro” em relação aos acontecimentos na Venezuela e ao final deixou claro que “o regime deveria ser derrubado”. E os editores ainda têm coragem de afirmar que fazem jornalismo imparcial.
A gritaria da mídia conservadora, acompanhada de uma nota do Departamento de Estado norte-americano de “preocupação com os acontecimentos na Venezuela”, deveu-se à suspensão temporária de seis emissoras de TV a cabo, uma delas a RCTV.
A manipulação da informação começou com a edição do noticiário que dizia que Chávez fechou os canais de televisão que se recusaram a transmitir os pronunciamentos do presidente venezuelano. Trata-se de uma meia verdade, as emissoras foram suspensas temporariamente até que demonstrassem que estavam seguindo a legislação midiática aprovada pelo Congresso. Nada ilegal, portanto, como o noticiário induz. Em poucos dias, cinco dos canais a cabo, a TV Chile, a American Network, a Ritmoson, a Sport Plus e a Momentum entregaram a documentação exigida pela Comissão Nacional de Telecomunicações comprovando que são canais internacionais, o que permite restabelecer as transmissões. Se a RCTV a cabo não fizer o mesmo continuará suspensa.
A oposição, que em setembro vai disputar os votos para a eleição parlamentar, colocou nas ruas para protestar estudantes de algumas escolas particulares. Fazem barulho, porque as suas manifestações contam com todo o apoio de um setor da mídia conservadora que considera Chávez o diabo.
Os jornais e as agências de notícias não informaram que no dia 21 de janeiro último o presidente da Federação de Câmaras e Associações de Comércio e Produção da Venezuela, a FEDECÁMARAS, Noel Álvarez declarou em uma entrevista na RCTV que a “solução militar” é a única para a saída de Chávez. E isso com o acompanhamento entusiasmado do jornalista Miguel Ángel Rodriguez que o entrevistava.
No atual momento, a revolução bolivariana aprofunda o projeto socialista, ou seja, caminha para a mudança do modo de produção, o que não é admitido em hipótese alguma pelo conservadorismo dos mais diversos rincões das Américas. Os jornais brasileiros escrevem diariamente editoriais sugerindo a derrubada de Chávez e um posicionamento do governo Lula no esquema golpista capitaneado pelo Departamento de Estado norte-americano.
Mas, ao mesmo tempo em que ocorriam esses fatos, no Haiti a Sociedade Interamericana de Imprensa, a SIP, ignorava a denúncia da Federação de Jornalistas Latino-Americanos (FELAP) sobre o “atropelo contra o trabalho jornalístico no Haiti por parte das forças de ocupação estadunidenses”. A nota de protesto, não divulgada no Brasil, é assinada pelo presidente da entidade, jornalista Juan Carlos Camaño. Ele coloca questões importantes em pauta. Uma delas, o estabelecimento de limitações no trabalho jornalístico que levam a ocultar o real procedimento dos efetivos enviados pelo Pentágono e Casa Branca, que chegam a uns 15 mil soldados. Como se os haitianos precisassem mais de militares norte-americanos do que de médicos.
No mais, as forças conservadoras latino-americanas ganharam um aliado de peso: o presidente eleito do Chile, Sebastián Piñera, a maior fortuna do país, que trará com ele figuras de proa do regime ditatorial que imperou no Chile de setembro de 1973 a 1989. Piñera se elegeu porque a Concertación se esgotou. No plano econômico tudo continuará como manteve a aliança de centro esquerda durante 20 anos, com o acréscimo da privatização, desejo já anunciado por Piñera, de parte da estatal de cobre, mas no plano externo, o dono da Lan Chile e controlador do Colo-Colo, o clube de futebol mais popular do país, vai se somar ao bloco de direita latino-americana pró-EUA encabeçado por Álvaro Uribe.
Piñera já deu uma pequena mostra do que vem por aí em matéria de política externa chilena ao criticar gratuitamente Hugo Chávez em sua primeira entrevista depois de eleito. Ele veio reforçar a campanha do conservadorismo latino-americano contra a opção socialista que leva adiante o governo da República Bolivariana de Venezuela. É por aí que toca a banda das oligarquias furiosas com as mudanças que estão a ocorrer no continente latino-americano.

terça-feira, fevereiro 02, 2010

Caros generais, almirantes e brigadeiros

Marcelo Rubens Paiva
Eu ia dizer "caros milicos". Não sei se é um termo ofensivo. Estigmatizado é. Preciso enumerar as razões?
Parte da sociedade civil quer rever a Lei da Anistia. Sugeriram a Comissão da Verdade, no desastroso Programa Nacional de Direitos Humanos, que Lula assinou sem ler. Vocês ameaçaram abandonar o governo, caso fosse aprovado.
Na Argentina, Espanha, Portugal, Chile, a anistia a militares envolvidos em crimes contra a humanidade foi revista. Há interesse para uma democracia em purificar o passado.
Aqui, teimam em não abrir mão do perdão. E têm aliados fortes, como o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que apesar de civil apareceu num patético uniforme de combate na volta do Haiti. Parecia um clown.
Vocês pertencem a uma nova geração de generais, almirantes, tenentes-brigadeiros. Eram jovens durante a ditadura. Devem ter navegado na contracultura, dançado Raul Seixas, tropicalistas. Usaram cabelos compridos, jeans desbotados? Namoraram ouvindo bossa nova? Assistiram aos filmes do Cinema Novo?
Sabemos que quem mais sofreu repressão depois do Golpe de 64 foram justamente os militares. Muitos foram presos e cassados. Havia até uma organização guerrilheira, a VPR, composta só por militares contra o regime.
Por que abrigar torturadores? Por que não colocá-los num banco de réus, um Tribunal de Nuremberg? Por que não limpar a fama da corporação?
Não se comparem a eles. Não devem nada a eles, que sujaram o nome das Forças Armadas. Vocês devem seguir uma tradição que nos honra, garantiu a República, o fim da ditadura de Getúlio, depois de combater os nazistas, e que hoje lidera a campanha no Haiti.
Sei que nossa relação, que começou quando eu tinha 5 anos, foi contaminada por abusos e absurdos. Culpa da polarização ideológica da época.
Seus antecessores cassaram o meu pai, deputado federal de 34 anos, no Golpe de 64, logo no primeiro Ato Institucional. Pois ele era relator de uma CPI que investigava o dinheiro da CIA para a preparação do golpe, interrogou militares, mostrou cheques depositados em contas para financiar a campanha anticomunista. Sabiam que meu pai nem era comunista?
Ele tentou fugir de Brasília, quando cercaram a cidade. Entrou num teco-teco, decolou, mas ameaçaram derrubar o avião. Ele pousou, saltou do avião ainda em movimento e correu pelo cerrado, sob balas.
Pulou o muro da embaixada da Iugoslávia e lá ficou, meses, até receber o salvo-conduto e se exilar. Passei meu aniversário de 5 anos nessa embaixada. Festão. Achávamos que a ditadura não ia durar. Que ironia...
Da Europa, meu pai enviou uma emocionante carta aos filhos, explicando o que tinha acontecido. Chamava alguns de vocês de "gorilas". Ri muito quando a recebi.
Ainda era 1964, a família imaginava que fosse preciso partir para o exílio e se juntar na França, quando ele entrou clandestinamente no Brasil.
Num voo para o Uruguai, que fazia escala no Rio, pediu para comprar cigarros e cruzou portas, até cair na rua, pegar um táxi e aparecer de surpresa em casa. Naquela época, o controle de passageiros era amador.
Mas veio a luta armada, os primeiros sequestros, e atuavam justamente os filhos dos amigos e seus eleitores - ele foi eleito deputado em 1962 pelos estudantes.
A barra pesou com o AI-5, a repressão caiu matando, e muitos vinham pedir abrigo, grana para fugir. Ele conhecia rotas de fuga. Tinha um aviãozinho. Fernando Gasparian, o melhor amigo dele, sabia que ambos estavam sendo seguidos e fugiu para a Inglaterra. Alertou o meu pai, que continuou no País.
Em 20 de janeiro de 1971, feriado, deu praia. Alguns de vocês invadiram a nossa casa de manhã, apontaram metralhadoras. Depois, se acalmaram. Ficamos com eles 24 horas. Até jogamos baralho. Não pareciam assustadores. Não tive medo. Eram tensos, mas brasileiros normais.
Levaram o meu pai, minha mãe e minha irmã Eliana, de 14 anos. Ele foi torturado e morto na dependência de vocês. A minha mãe ficou presa por 13 dias, e minha irmã, um dia.
Sumiram com o corpo dele, inventaram uma farsa (a de que ele tinha fugido) e não se falou mais no assunto.
Quando, aos 17 anos, fui me alistar na sede do 2º Exército, vivi a humilhação de todos os moleques: nos obrigaram a ficar nus e a correr pelo campo. Era inverno.
Na ficha, eu deveria preencher se o pai era vivo ou morto. Na época, varão de família era dispensado. Não havia espaço para "desaparecido". Deixei em branco.
Levei uma dura do oficial. Não resisti: "Vocês devem saber melhor do que eu se está vivo." Silêncio na sala. Foram consultar um superior. Voltaram sem graça, carimbaram a minha ficha, "dispensado", e saí de lá com a alma lavada.
Então, só em 1996, depois de um decreto-lei do Fernando Henrique, amigo de pôquer do meu pai, o Governo Brasileiro assumiu a responsabilidade sobre os desaparecidos e nos entregou um atestado de óbito.
Até hoje não sabemos o que aconteceu, onde o enterraram e por quê? Meu pai era contra a luta armada. Sabemos que antes de começarem a sessão de tortura, o brigadeiro Burnier lhe disse: "Enfim, deputadozinho, vamos tirar nossas diferenças."
Isso tudo já faz quase 40 anos. A Lei da Anistia, aprovada ainda durante a ditadura, com um Congresso engessado pelo Pacote de Abril, senadores biônicos, não eleitos pelo povo, garante o perdão aos colegas de vocês que participaram da tortura.
Qual o sentido de ter torturadores entre seus pares? Livrem-se deles. Coragem.