quinta-feira, março 26, 2009

Reflexões sobre a América Latina


A diferença entre a esquerda e a direita está na finalidade das ideologias. A esquerda tem a meta generosa da igualdade; a direita não tem outra meta, que não seja a da permanência da opressão, em nome do direito da força. (Bertrand Russel)

Carlos Henrique de Pontes Vieira


Sabemos que os países da América Latina vivem hoje um processo de mudanças profundas, diversificadas e originais. Alguns analistas questionam se é um giro à esquerda, dada as diferenças de cada um deles, pois não se poderiam comparar as ações e as retóricas de seus líderes, sendo impossível querer meter no mesmo saco Tabaré Vázquez do Uruguai com Hugo Chávez da Venezuela; Cristina Kirchner da Argentina com Evo Morales da Bolívia; Michelle Bachelet do Chile com Rafael Correa do Equador ou Lula, aqui do Brasil. Há ainda os novos eleitos da esquerda paraguaia e salvadorenha, Fernando Lugo e Maurício Funes. Uns aceitam a ALCA, os TLC e outros os repudiam de plano, embora tendo um discurso antiimperialista, mantém excelentes relações comerciais com o império.

Entretanto, constatamos que algo novo de suma importância e comum a todos eles está acontecendo. Acredito que o que dá consistência e um forte sentido de unidade a toda esta profunda mundança que vive a maioría de nossos países, é o repúdio claro, unânime e contundente ao que se resolveu chamar de CONSENSO DE WASHINGTON, bem como o clamor por JUSTIÇA SOCIAL. É aí onde podemos encontrar a unidade, mesmo com as peculiaridades de cada país.

O Consenso de Washington estigmatizou o "Estado de bem-estar social" preconizado na última grande teoria econômica elaborada por John Maynard Keynes, buscando sistematicamente o seu enfraquecimento; relegou a área social, aumentando a pobreza de nossos povos; privilegiou o capital sobre o trabalho desde a primeira experiência no Chile de Pinochet. Em termos de valores, o "ter" prevaleceu sobre o "ser", e os desejos consumistas e individualistas foram abafando o melhor de nossas culturas tradicionais.

O neo-liberalismo defendido pelos países do centro capitalista ocidental e assimilado pelos da periferia exigiu sempre a abertura total de nossas fronteiras aos produtos dos países centrais, sem a contrapartida da abertura das suas fronteiras aos nossos produtos, aumentando assim o comércio informal, a desocupação e a precariedade no trabalho. Para obter créditos internacionais obrigava-se a privatização das empresas públicas e dos serviços básicos. Através desses acordos, os países poderosos defenderam sempre os interesses das multinacionais em detrimento do direito dos povos. Exigiram eliminar de nossos governos todo vestigio de protecionismo, enquanto EE.UU. e Europa seguíam subvencionando, por exemplo, as suas agriculturas com vultosas somas de dólares, anulando toda possibilidade de competitividade de nossos produtos no mercado internacional.

As consequências desastrosas dessa política econômica foram claras: desmantelamento do Estado, enfraquecimento da área social (saúde e educação), desocupação, marginalização e exclusão social, aumento do fosso social por concentração excessiva da riqueza em poucas mãos, dependência externa, submissão aos interesses das multinacionais, exploração irracional dos recursos naturais a ponto de corrermos o risco de extinção, aumento da corrupção e da agressividade social, decadência moral... e por aí vai.

Relendo o livro “Direita e Esquerda, Razões e Significados de uma Distinção” e resumindo o que pensa o seu autor, o jusfilósofo italiano Norberto Bobbio, no que se refere a esses dois conceitos, ele nos sugere o seguinte: os termos continuam atuais, porém com sentidos diversos, já que os paradigmas do nosso tempo são outros. Então, a direita elegeria a ordem social como valor prioritário, já a esquerda, ao contrário, elegeria a justiça social prioritariamente, vindo a ordem social a reboque. Concluímos, pois, que o que ocorre na América Latina é realmente um giro à esquerda.

O que buscam os governos de nossos países? Buscam o que os seus povos anseiam: fortalecimento do Estado; máxima atenção ao setor social; defesa dos recursos naturais e dos interesses do país; controle e fiscalização das empresas multinacionais, orientação do crescimento econômico para um melhoramento na qualidade de vida de todos, sem exclusão; condicionamento do capital e das inversões aos interesses produtivos do país; fomento das exportações e da produção nacional; desenvolvimento integral, harmônico e auto-sustentado que proporcione a justiça social.

Eis aí os grandes ideais e anseios do povo latino americano e que movem atualmente os governos da região. Acredito que, feita a escolha da justiça social, seja sim, um giro à esquerda, pelo menos no sentido asseverado por Norberto Bobbio.

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